segunda-feira, 30 de junho de 2008

Gaiolas e asas


Este fim de semana andei lendo muito autor brasileiro. Dá pra notá? Pois é, uma das graças que eu devo ao meu Criador, quando achou que eu poderia ser assim uma professora de línguas com algum gosto, foi ter me dado uma enorme capacidade de apanhar acento, sotaque. Às vezes fica até um tanto embaraçoso... Pois, eu me deliciei (apesar dos constrangimentos existentes) com esta teoria de Rubem Alves. E por isso, vou partilhá-la com vocês...
Os pensamentos me chegam de forma inesperada, sob a forma de aforismos. Fico feliz porque sei que Lichtenberg, William Blake e Nietzsche frequentemente eram também atacados por eles. Digo "atacados" porque eles surgem repentinamente, sem preparo, com a força de um raio. Aforismos são visões: fazem ver, sem explicar. Pois ontem, de repente, esse aforismo me atacou: "Há escolas que são gaiolas. Há escolas que são asas".
Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-las para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o vôo.
Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são os pássaros em vôo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o vôo, isso elas não podem fazer, porque o vôo já nasce dentro dos pássaros. O vôo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado.
Esse simples aforismo nasceu de um sofrimento: sofri conversando com professoras de segundo grau, em escolas de periferia. O que elas contam são relatos de horror e medo. Balbúrdia, gritaria, desrespeito, ofensas, ameaças... E elas, timidamente, pedindo silêncio, tentando fazer as coisas que a burocracia determina que sejam feitas, como dar o programa, fazer avaliações... Ouvindo os seus relatos, vi uma jaula cheia de tigres famintos, dentes arreganhados, garras à mostra - e a domadoras com seus chicotes, fazendo ameaças fracas demais para a força dos tigres.
Sentir alegria ao sair de casa para ir à escola? Ter prazer em ensinar? Amar os alunos? O sonho é livrar-se de tudo aquilo. Mas não podem. A porta de ferro que fecha os tigres é a mesma porta que as fecha com os tigres.
Nos tempos de minha infância, eu tinha um prazer cruel: pegar passarinhos. Fazia minhas próprias arapucas, punha fubá dentro e ficava escondido, esperando... O pobre passarinho vinha, atraído pelo fubá. Ia comendo, entrava na arapuca e pisava no poleiro. E era uma vez um passarinho voante. Cuidadosamente eu enfiava a mão na arapuca, pegava o passarinho e o colocava dentro de uma gaiola. O pássaro se lançava furiosamente contra os arames, batia as asas, crispava as garras e enfiava o bico entre os vãos. Na inútil tentativa de ganhar de novo o espaço, ficava ensanguentado... Sempre me lembro com tristeza da minha crueldade infantil.
Violento, o pássaro que luta contra os arames da gaiola? Ou violenta será a imóvel gaiola que o prende? Violentos, os adolescentes de periferia? Ou serão as escolas que são violentas? As escolas serão gaiolas? Vão me falar sobre a necessidade das escolas dizendo que os adolescentes de periferia precisam ser educados para melhorarem de vida. De acordo. É preciso que os adolescentes, que todos, tenham uma boa educação. Uma boa educação abre os caminhos de uma vida melhor. Mas eu pergunto: nossas escolas estão dando uma boa educação? O que é uma boa educação?
O que os burocratas pressupõem sem pensar é que os alunos ganham uma boa educação se aprendem os conteúdos dos programas oficiais. E, para testar a qualidade da educação, criam mecanismos, provas e avaliações, acrescidos dos novos exames elaborados pelo Ministério da Educação.
Mas será mesmo? Será que a aprendizagem dos programas oficiais se identifica com o ideal de uma boa educação? Você sabe o que é "dígrafo"? E os usos da partícula "se"? E o nome das enzimas que entram na digestão? E o sujeito da frase "Ouviram do Ipiranga as margens plácidas de um povo heróico o brado retumbante"? Qual a utilidade da palavra "mesóclise"? Pobres professoras, também engaioladas... São obrigadas a ensinar o que os programas mandam, sabendo que é inútil. Isso é hábito velho das escolas. Bruno Bettelheim relata sua experiência com as escolas: "Fui forçado (!) a estudar o que os professores haviam decidido que eu deveria aprender. E aprender à sua maneira".


domingo, 29 de junho de 2008

Miserere, de Alda Lara


Hoje tenho-me lembrado muito de Poesia e Poetas. E recordei como, garota pequena, procurava os poemas de Alda Lara, quando ainda eram publicados, nos jornais de Domingo. Não sei se os entendia, mas procurava-os. Aqui vos deixo um, escrito quando eu tinha apenas dois anos. Eu chamar-lhe-ia "Acto de Contrição" mas Alda Lara preferiu chamar-lhe Miserere. Sempre que o leio me magoo. Mas sinto que quero este magoar-me.

Miserere
Perdoai-me, Senhor!
Perdoai-me,
que eu não sabia...
No meu palácio
batido por todos os mares de coral,
encastoada em espumas,
e rendas,
e ouropéis,
coberta de cetins e de anéis
no meu palácio de ilusão
onde cantam sereias pela noite dentro,
Senhor!
eu não sabia nada...
Foi preciso que o céu se cobrisse
de nuvens negras,
e a tempestadade sacudisse
a solidão dos meus salões,
para que eu,
transida de medo,
descesse aos subterrâneos do meu palácio,
em busca de protecção
e calor...
E nos subterrâneos...
só encontrei
dor maior que a minha...
medo maior que o meu...
e loucura,
e suor,
e fome,
e ódio frio,
e revolta surda,
e o cheiro putrefacto dos corpos
que trouxe a maresia...
Ah! perdoai-me
Senhor!
Perdoai-me...
que eu não sabia.
1949 – Março

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Por que gosto das sextas-feiras...

Um pôr de sol que anuncia trovoada, em Quibaxe, Angola, e uma casacatinha perto de Penamacor, mas já em Espanha.





Hoje é sexta-feira. Gosto das sextas-feiras: conheci o meu Marido a uma sexta-feira, casei-me numa quinta mas, como julgo já ter contado, ele não veio ao casamento e só me encontrei com ele na sexta, os meus dois primeiros filhos nasceram à sexta-feira e hoje o Dr. David Abel, o fantástico médico que me operou, disse-me que posso começar a pousar o pé no chão a 30%. Não é uma maravilha?
Além disso, hoje acabei uma formação que correu maravilhosamente e tenho umas provas e umas avaliações fora de série. E muita gente me pediu para voltar, voltar. E eu gosto de voltar.


Bem, mas além das sextas-feiras, há uma quantidade de coisas de que gosto:
Gosto de ver os meninos negros vestidinhos de lavado, com aqueles seus olhos muito brilhantes. Gosto de os ver levar livros na pasta, do ar malandro com que me chamam Avó para ver se me levam uns kuanzas. Gosto de ouvir a Tia Bela, uma negra forte, que trabalha por três, dizer-me, quando lhe agradeço um carinho, uma delicadeza, “ai, professora Carmo, não faz isso, não me ofende”.


Gosto de ver olhos a sorrir. Gosto de ver casais com olhares cúmplices. Gosto de ver o marido ou a mulher, de repente, estender a mão e pousá-la sobre o braço do outro. Gosto de ver casais acima dos sessenta de mãos dadas. Gosto de ver um homem a compor uma gola feminina que o vento pôs fora do lugar e de ver uma mulher a endireitar o colarinho do Marido.


Gosto do ar absolutamente indescritível de um homem a olhar para o seu primogénito acabado de nascer. Gosto de ver crianças a começar a andar. Gosto daquele olhar cheio de expectativas enquanto, de braços abertos, tentam mudar de pé.
Gosto de ver os meus netos a rapar a taça onde se bateu um bolo. E do cheiro do caril feito com as minhas próprias misturas. E de caju estufado a fingir que é frango. Gosto de cozinhar para Amigos. Gosto de anedotas compridas ou então muito curtas. Gosto de histórias que acabam bem (para compensar a vida).

Gosto de uma bela trovoada nocturna. Gosto do céu estrelado visto nas noites de Mumemo. Gosto das chuvadas africanas, porque são rápidas, poderosas e cheias de cheiros. Gosto do mar sereno da Ilha do Mussulo e das calemas bravas das marés vivas. Gosto de rios, ribeiros e riachos. E de pontes. Gosto de jardins pouco “artísticos” mas com muitas flores diferentes e algumas árvores. Gosto de comer figos com boroa debaixo da figueira.
Gosto de ouvir Mahler quando estou triste para ainda ficar mais triste e resolver o problema da tristeza. Gosto de Verdi e de Mozart porque me põem a cantarolar. Gosto de palavras e de frases gostosas: sorriso, alegria, primavera, outono, verão, inverno, lareira, estou a chegar, feijão com arroz, arroz-doce, canela açucarada, gengibre e mel…
Meu Deus, como Tu és bom! As coisas de que mais gosto são, quase todas, absolutamente de graça. Basta um eco do Teu Amor em nós para se tornarem possíveis!

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Problemas de Sedução

Hoje consolei o coração ao passar pelos blogues da minha Caixinha de Afectos. Bons textos ligados à Educação, de gente séria, que sabe do que fala, que pensa e pesa o que diz. Belos textos de Poetas e de Pensadores, que nos põem a olhar para a realidade circundante com olhos novos. Parábolas e fábulas, de que andava precisada. Mas, sabe-se lá porquê, a mim apetece-me falar de "sedução".
Creio que acontece com toda a gente - tenho palavras de que gosto muito, outras que detesto e outras de que desconfio. Uma das que pertencem a esta terceira categoria é "sedução".
Como sempre tive a mania de fazer "profundas" análises e introspecções (o que talvez tenha a ver com o signo de Balança, que não o é apenas de pessoas indecisas, como para aí se diz, mas também gente de um amor entranhado ao que é justo...), até já cheguei a identificar esta desconfiança com o meu primeiro trabalho…

Fui escriturária no Tribunal de Relação de Luanda entre 20 de Agosto de 1962 e 28 de Fevereiro de 1963 e a minha principal tarefa era dactilografar os acórdãos de sessões em que o Desembargador-Presidente recorria a frequentes expressões em Latim. Ora acontece que eu era a única funcionária que sabia Latim, tinha acabado o 7º Ano antigo com uma classificação mais do que honrosa e deram-me a "honra" de passar à máquina os tais acórdãos. O problema é que o tal Desembargador com quem trabalhava, não sei se por gosto ou acaso, só tratava de "Crimes de Sedução". Sim, aqueles casos em que uma donzela aceitava entrar em partilhas muito íntimas do seu corpo e dos prazeres acrescidos (ou não) com um "sedutor", sob promessa de casamento. Promessa de que depois o dito se esquecia rapidamente. Senhores, isto nos idos dos anos 60, do século passado, fazem lá ideia do que uma pobre e recatada menina de 20 anos aprendeu naqueles acórdãos sobre a dita "sedução"?
Poderá ser, pois, daí, mas desde então a palavra "sedução" cheira-me a embuste. E fico sempre preocupada quando alguém de responsabilidade na Educação - ministros, directores regionais, professores, pais - diz que a Escola, o Professor, têm de seduzir o Aluno. Não têm, não senhor, pelo menos na minha opinião. Isto, se querem dizer, com "sedução", fazer com que os alunos não queiram deixar a Escola. Aliás, na minha opinião, "seduzir" é a mais fácil de todas as soluções, mas receio que não vá longe.
Eu, Maria do Carmo Cruz, queria que os meus alunos já tivessem tido a sorte de alguém lhes ter ensinado que a Escola é precisa, que aprender é próprio do ser humano, que não é apenas brincadeira nem castigo - é apenas outra espécie de Trabalho, também próprio do Homem, que se vai adequando à medida que crescemos. Senão, ensinava eu.

Depois, era minha obrigação dar-lhes gosto em fazer aquele Trabalho de estar comigo 3 horas semanais, pelo puro prazer de aprender e reflectir sobre coisas novas e não tão novas. Era minha obrigação usar estratégias e metodologias à medida da sua idade, dos conteúdos programáticos, do interesse para a vida deles um dia, para que sentissem vontade de voltar, e isso sem recorrer a actuações de animação cultural, exceptuando recursos como visitas de estudo, colóquios com profissionais, visionamento de filmes, utilização da tecnologia que tivesse à mão e valorizasse o conteúdo.
Fui e sou Professora, gosto de ensinar, gosto de partilhar com alegria. Sei que não há prémio melhor do que, ao dar aula sem olhar para o relógio, ouvir um "oh" de desapontamento quando toca. Sim, mas sou e era Professora, e mesmo hoje recusar-me-ia a ser animadora social ou cultural. Essa função é outra, muito respeitável, mas eu só quero seduzir quem quer ser seduzido e, portanto, não necessita de manobras de sedução. Porque recorrer ao Melhor, fazer o Melhor, querer o Melhor quando ensinamos e aprendemos não é seduzir, é a única maneira como sei trabalhar. A sedução pode vir apenas por acréscimo e será bem-vinda mas não é o prato especial da ementa...

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Uma outra tradução

"If", o famoso "If" de Kipling, símbolo de uma época histórica, de uma Inglaterra imperial, muitas vezes criticado e outras tantas louvado (gosto imenso dos seus livros para crianças, que recomendo, há boas traduções), tem sido alvo de muitas traduções.
António Botto, Poeta infeliz que, para viver sem hipocrisias sofreu horrores, também o traduziu. Aqui vai ele, para corresponder especialmente ao pedido da Teresa de Longe.
Se tu podes impor a calma, quando aqueles
Que estão ao pé de ti a perdem censurando
A tua teimosia nobre de a manter.
Se sabes aguardar sem ruga e sem cansaço,
Privar com Reis continuando simples,
E na calúnia, não recorrer à infâmia
Para com arma igual e em fúria responder.
- Mas não aparentar bondade em demasia
Nem presumir de sábio ou pretender
Manifestar excesso de ousadia.
Se o Sonho não fizer de ti um escravo
E a luz do pensamento não andar
Contigo num domínio exagerado.
Se encaras o triunfo ou a derrota
Serenamente, firme, e reforçado
Na coragem que é necessário ter
Para ver a verdade atraiçoada,
Caluniada, espezinhada e ainda
Os nossos ideais por terra, mas erguê-los
De novo em mais profundos alicerces
E proclamar com alma essa verdade!,
Se perdes tudo quanto amealhaste
E voltas ao princípio sem um ai,
Um lamento, uma lágrima e sorrindo,
Te debruçares sobre o coração
Unindo outras reservas à vontade
Que quer continuar, e prosseguindo,
Chegar ao Infinito da Razão,
Se a multidão te ouvir entusiasmada,
E a Virtude ficar no seu lugar,
Se Amigos e Inimigos não conseguem
Ofender-te e se quantos te procuram
Para contar com o teu esforço não contarem
Uns mais do que outros, - olha-os por igual!,


Se podes preencher esse minuto,
Com sessenta segundos de existência
No caminho da Vida percorrido,
Embora essa existência seja dura,
À força das tormentas que a consomem,
Bendita a tua essência, a tua origem,
o mundo será teu,
e tu serás um Homem!

(versão de António Botto do poema de Kipling)

Piruetas de Avó

O Céu e o Inferno

Hoje, deu-me para isto. Não deve ter sido por acaso, porque não acredito em acasos. E se houver algum problema, a responsabilidade é minha porque o texto é uma tradução que fiz do conto ou fábula ou seja lá o que for que saíu numa edição do Reader em Inglês.

O velho pároco, sentindo-se a morrer, compôs as roupas à volta do peito e começou a pensar, mais uma vez, com uma certa preocupação, no Céu e no Inferno. Como seriam? Ele tinha passado uma grande parte dos seus 84 anos a falar Paraíso, Inferno, modos de verdo assunto, mas agora o problema parecia-lhe cada vez mais urgente e cada vez lhe parecia saber menos.
Na penumbra do quarto, viu aproximar-se dois vultos. Conheceu-os logo: Moisés, alto, musculoso, e Pedro, o Pescador. Fizeram-lhe um sinal de cabeça e ele levantou-se imediatamente e seguiu-os, passando, sem se espantar, através da parede do quarto.
Em silêncio, conduziram-no através das galáxias. Num local longínquo, pararam em frente a uma grande casa e Pedro explicou: “ O reino de Deus é composto de várias mansões. E o mesmo acontece com o Inferno. Vamos mostrar-te a primeira sala do palácio de Satanás.”
À medida que ia entrando, o velho padre começou a ouvir uma babel de lamentos e gritos. Depois, na sala, reparou que estavam muitas pessoas sentadas a uma grande mesa, e, ao centro, uma enorme travessa do prato preferido do padre. Embora todos os presentes tivessem um enorme garfo que podia chegar à comida, eles gritavam de fome e gemiam por ver a comida tão perto sem a poderem comer. De facto, os garfos que estavam presos às suas mãos eram de um tal tamanho que eles não os conseguiam virar em direcção à boca para aí introduzir o alimento e gemiam dolorosamente. Os seus lamentos eram de tal ordem que o padre pediu que o levassem dali para fora.
Pedro e Moisés levaram-no então para outro lugar longínquo e pararam em frente a uma casa em tudo parecida com a anterior. Convidaram-no a entrar para a ante-sala do Paraíso e ele viu uma mesa igual, com a mesma riqueza de comida e com os convivas sentados, de um lado e do outro, com os mesmos grandes garfos presos às suas mãos. No entanto, ninguém se queixava. Todos tinham um ar satisfeito e saciado. Porque cada um deles utilizava o seu garfo para alimentar o convidado que estava em frente…

Jim Bishop, King Features, in Readers Digest

terça-feira, 24 de junho de 2008

Cantiga a mote: Meu Coração Marinheiro

Amigos, tenho a mania de misturar coisas sérias com brincadeiras, talvez porque ache que é assim que se deve temperar a Vida, e depois admiro-me de que quem me lê sentir o meu aspecto lúdico como o mais visível. Ora, isso não é verdade nem mentira: tem dias! O meu poste sobre os exames é a sério, as minhas quadras a mote são uma brincadeira de S. João. Que, coitado, nem era muito para brincadeiras...
Meu coração marinheiro
Fez-se ao mar e naufragou.
Perdeu o norte, primeiro
Que o teu olhar o cegou.

Meu coração marinheiro
Tantas voltas deu ao mundo!
Mas não esqueceu, Companheiro,
Esse teu olhar profundo.

Meu coração marinheiro
Vai morrer a navegar
Sem poder lançar o ferro
No porto do teu olhar

Andou sempre a correr mundo
Meu coração marinheiro
Preso a esse mar profundo
Do teu olhar feiticeiro

Meu coração marinheiro
Cansou-se de navegar
E ancorou, traiçoeiro,
Nas ondas do teu olhar.


Façam favor de festejar o S. João como deve ser! Eu ontem comi uma sardinha assada!

Assim não vale!

Pois é, tal como dizíamos antigamente, nos jogos e brincadeiras, quando apanhávamos os colegas a “fazer batota”, isto é o que me apetece dizer agora.
Vou usar um tom ligeiro, não para amenizar as questões, mas porque eu própria preciso de me amenizar. Esta quase imobilidade física tem dado cabo de mim e então dá-me para pensar. O que é perigoso, como sabem, pois além de tudo o mais que possa acontecer, até já morreu um burro no meio de tarefa tão importante.
Bem, eu estou sem acesso aos jornais, gentileza da Net (que me abandonou durante o fim de semana, como vem sendo hábito) e tenho eco dos exames apenas pelo que me chega via Caixinha de Afectos, isto é, maioritariamente o que se refere ao exame de Português do 12º ano. E chega! Chega para me pôr a ferver!
Como é que um grupo de sábios, que passa meses a dar à luz um teste, consegue complicá-lo de maneira a que os próprios correctores tenham dúvidas (nuns casos) ou concluam que há mais do que uma resposta possível?
Como é possível que depois de se ter definido que o TLEBS não entrava ainda neste “cânones”, afinal tenha aparecido, assim para dar um arzinho da sua graça e, certamente, para acalmar o ofendido amor-próprio de algum pai de tal monstrinho? (E já agora, já repararam em como é impróprio chamar “amor” ao “amor-próprio”?)
Se o programa da disciplina é tão vasto em autores, o que é que deu aos criadores para praticamente se dedicarem a Camões? Foram ordens superiores? Foi o sonho vão de que ao tratar tanto de Camões ele viesse dar algum alento às tropas, isto é, aos Portugueses?
No tempo em Nosso Senhor Jesus Cristo ainda andava pelo mundo eu aprendi regras para elaborar testes. E depois, muito mais tarde, assisti a aulas magníficas sobre o assunto com a Dra. Emília Amor. Senhores dos Exames, sabem disso? Olhem, como ando numa de voluntariado, voluntario-me para, em momento a determinar, me encontrar convosco e partilhar o que aprendi e usei quando elaborava testes. Graciosamente.
Também me cheirou a que os exames de Matemática do 9º ano eram “de caras”. Seriam, ainda, ordens superiores? Era preciso saber multiplicar? E os de Português?
Afinal, houve algum exame em que não houvesse nada a apontar? E este ano os exames continuaram a ser publicados nos jornais, com critérios, propostas de solução etc.?
Alguém que me responda, se possível tim-por-tintim, porque senão nem o pé tem vontade de se pôr de pé, que é, afinal, a obrigação dele…

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Adélia Prado, a Amiga que conheci hoje


Eu não conhecia Adélia Prado e alguém me fez encontrá-la. Ou antes, me fez ter vontade de a encontrar. Que bom! Fui à procura dela e encontrei uma Mulher que mostra na sua Poesia uma enorme alegria de ser Mulher, de estar viva, de ter um corpo. Estas são as primeiras impressões colhidas. Ainda tenho que me encontrar com ela muitas vezes. Creio que nos vamos dar bem. Partilho-a com gosto na descrição de uma cena conjugal tão normal e pacata e onde se pode encontrar uma cumplicidade natural e inocente entre Marido e Mulher. De que tenho saudades. Então, a palavra a Adélia Prado. Se quiserem saber onde a descobri vão ao terrear, a partir de um texto de Rubem Mendes e de um comentário de um meio-Anónimo de nos fazer crescer água na boca:
Casamento
Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Diferenças essenciais



Hoje li um poema sobre a
Palavra no blogue sletras.


Resolvi, num momento de maior descontracção, fazer uma brincadeira com palavras. Para que se perceba que uma coisa é Poesia (o que a Isabel Cabral publicou) e outra coisa é rima (que é o que vos dou a seguir). Não quero dizer que enjeito o que escrevi. Quero só que se sinta a diferença. Porque nem todos os versos são Poesia.
Palavras, armas mortais
Palavras de salvação
Palavras, golpes fatais,
Palavras, doce ilusão.

Palavras, luzes no escuro,
Palavras, noite cerrada
Palavras que fazem muro
Palavras que dizem nada.

Palavras que dizem tudo,
Palavras que tudo calam
Palavras de um mundo mudo
Palavras que tudo falam.

Palavras que fecham portas
Palavras que abrem caminhos
Palavras quais folhas mortas
De que se tecem os ninhos.

Palavras, pedras, cristais
Penas, folhas e flores,
Cansadas, gastas, banais,
Jovens, falando de Amores.
Palavras, sempre palavras,
moldáveis, duras, tristonhas.
Palavras, sempre palavras,
simples, frágeis e risonhas.



A minha citação de Karl Popper


Esta, sim, é a minha citação preferida de Karl Popper. Lá a fui pedir, pela enésima vez, a ccz. Que tem uma paciência de santo...
"Penso que só há um caminho para a ciência ou para a filosofia: encontrar um problema, ver a sua beleza e apaixonar-se por ele; casar e viver feliz com ele até que a morte vos separe - a não ser que encontrem outro problema ainda mais fascinante, ou, evidentemente a não ser que obtenham uma solução. Mas, mesmo que obtenham uma solução, poderão então descobrir, para vosso deleite, a existência de toda uma família de problemas-filhos, encantadores ainda que talvez difíceis, para cujo bem-estar poderão trabalhar, com um sentido, até ao fim vossos dias".
Karl Popper

Em tempo de Primavera, até os cardos dão flor...


Aqui de longe, que é de onde às vezes se vê melhor, gostaria de fazer algumas perguntas à Senhora Ministra da Educação. Espero que ninguém leia mais do que aqui vai: questões simples, de uma Mulher a outra Mulher. Que, pelo menos a partir do que é do domínio público, têm bastante em comum em termos de vivências de crescimento.
1. A Senhora tem, de facto, um grande Plano de mudança para a Educação?
2. Como, quando e com quem concebeu esse Plano?
3. Já pensou que é nos Professores que o País deposita o Futuro?
4. Quando assumiu o Ministério da Educação^, qual era a sua opinião sobre os Professores?
5. A Senhora tem algum preconceito, ideia feita ou descrença relativamente aos Professores?
6. Na sua opinião, ser Professor é uma profissão como outra qualquer?
7. Infelizmente, vejo-me obrigada a concordar com uma prova de admissão para avaliar os conhecimentos de um professor, à entrada. Mas a Senhora acredita que existe algum exame capaz de medir a vocação, a criatividade, a disponibilidade, o Amor que é necessário para se ser Professor?
8. E daí, é capaz de conceber a ideia de que o sistema de avaliação que mandou aplicar lhe vai permitir separar o trigo do joio?
9. Já lhe passou pela cabeça que o simples facto de, à partida, um Professor ter a certeza de que atingir ou não o topo da carreira não terá nada a ver com a qualidade do seu trabalho é altamente desmotivante?
10. Admite que só os mártires sofrem com gozo e alegria para merecer um prémio que não é deste Mundo?
11. Quando decidiu que os Professores deveriam ficar mais tempo na Escola (afinal, os outros funcionários também trabalham 35 horas por semana...), pensou no trabalho que dá preparar as lições, a necessidade de espaços próprios e de materiais e equipamentos para o fazer?
12. Faz alguma ideia de quanto é preciso para preparar aulas que sejam lugares de aprendizagem viva, activa, partilhada, rica, desejada e não um longo tédio?
13. Acredita que hoje em dia é possível, em Portugal, alguém ensinar ou aprender apenas a partir de um manual qualquer, apesar dos malabarismos editoriais e da parafernália de “acompanhamentos”?
14. Na sua opinião, as normas, regras e determinações que nascem do Ministério a toda a hora, como pãezinhos quentes a sair das inúmeras padarias por aí espalhadas, vão ter alguma utilidade a não ser gastar papel, dar mais trabalho aos professores e afagar o ego dos seus criadores?
15. Senhora Ministra da Educação, por que será que há tão grande quantidade de professores destacados, no Ministério e em todos os cantos onde se aninham departamentos a ele ligados, em vez de estarem nas Escolas a trabalhar para saberem como é?


Também gostaria de lhe perguntar se a Senhora dorme bem, se se sente realizada, mas acho uma indelicadeza da minha parte e eximo-me de o fazer. Sei que não responderá, mas já me sentiria feliz se soubesse que se põe, a si mesma, estas questões.
Respeitosamente, Maria do Carmo Cruz

terça-feira, 17 de junho de 2008

Fazer pela vida


Pois é: o que este passarinho faz é "fazer pela vida"...
Dizia eu, dois postes mais abaixo, que tenho escrito textos que não publico porque, neste momento, não me sinto preparada para as reacções que poderiam suscitar. Por outro lado, pode acontecer que eu não tenha as informações necessárias e suficientes para sustentar os meus pontos de vista e se há coisa que me incomode é a injustiça.
Confesso que recebi a actual Ministra da Educação com algumas esperanças. Tantos anos de Escola, a vê-la por dentro, a ter que conviver com muitos dos seus podres inatacáveis, faziam-me descrer que algum dia a Educação em Portugal pudesse encontrar o seu caminho. Depressa me desiludi: as nossas leis parecem feitas à medida para proteger os "criminosos".
Depois, sinceramente, acho que a contestação à avaliação dos Professores não foi, a maior parte das vezes, tratada com a elevação mínima desejável de Pessoas que tinham a seu cargo a formação dos jovens. Porque a Escola há muito que não serve só para "passar" informação. Porque há outros canais que passam a informação com muito mais possibilidade de sucesso.
A Escola, suponho, continuo a supor, está ligada à criação e transmissão de conhecimento. Que, por ser conhecimento, não pode causar tédio.
Vi, na altura, imagens que me fizeram corar. E apesar de todos sabermos que, em certos momentos, cheios de razão, a perdemos por uma palavra, um gesto, vi esses percalços acontecerem vezes demais para o meu gosto.
Contava, depois da manifestação dos 100 000, que se criasse uma coesão assente em princípios que tenho visto aqui, na Blogosfera, defendidos por verdadeiros Professores (embora reconheça que alguns nada perderiam da razão que têm, pelo contrário, se se exprimissem num tom menos agressivo).
Mas o que tenho visto, afinal, é outra vez, docentes contra docentes. Professores titulares a puxarem dos seus galões. Conselhos Executivos que tanto se queixavam da "prisão" a que estavam sujeitos, a lutar sofregamente para manter os lugares. Ou colegialmente ou como directores. Uma tristeza. Porque, nós que sabemos a história, deixámo-nos, mais uma vez manobrar e vencer com uma arma tão antiga: dividir para reinar.
Infelizmente, neste momento, estamos todos a perder. Todos aqueles para quem a Escola dizia alguma coisa. Os bons Professores, os Alunos, Portugal. E já nem me atrevo a rezar. Parece-me estar a desperdiçar munições. Especialmente quando, por outras paragens, vejo tanta sede de saber, de aprender.

Curso Rápido de Relações Humanas

(Em Sete Lições...)
Que acharam do blogue anterior?
Comum, vulgar, nada de extraordinário? Sim, sim, sim! E faz-se? Pouco, pouco, pouco. Será difícil de ganharmos o hábito? Facílimo!

Vou transcrever o conteúdo de um pps que se chama:

Curso rápido de Relações Humanas em sete lições”

1ª Lição - As SEIS palavras mais importantes
Admito que o erro foi meu!

2ª Lição - As CINCO palavras mais importantes
Você fez um bom trabalho!

3ª Lição - As QUATRO palavras mais importantes
Qual a sua opinião?

4ª Lição - As TRÊS palavras mais importantes
Se faz favor!

5ª Lição - As DUAS palavras mais importantes
Muito obrigado.

6ª Lição - A palavra MAIS importante
Nós!

7ª Lição - A palavra MENOS importante
Eu!
Bem, desta vez já nem fico à espera da pancada...Mas vou acreditar sempre que estas regrazitas funcionam.

Cortesia, humildade e outras coisitas assim sem importância


Tenho textos escritos para este blogue que, no momento M, não consigo postar. É um sentimento confuso, misto de pudor, descrença, receio. Pudor, porque já me chamaram parva, sonhadora, irrealista, vezes suficientes para eu às vezes pensar que os outros têm razão. Descrença, porque aquilo sobre que escrevo é exigente, e as pessoas, de uma maneira geral, não estão para aí viradas. E irrealista, porque, vivendo há anos em continentes diferentes, em que o irrealismo é coisa a que não se liga a mínima se se quer avançar, não estou a ver este ponto de vista a frutificar na Europa.
Então, de repente, caiu-me sob os olhos uma frase de Leon Tolstoi: “Toda a gente quer mudar o mundo mas ninguém quer mudar”. E fui lendo o tal livro de que vos falei ontem e encontrei frases tão inspiradores que as resolvi partilhar convosco. Fala-se de “simpatia” e diz-se que ela “é um acto de amar (verbo) porque exige que estendamos a mão ao outro, que nos esforcemos, mesmo por pessoas de quem podemos não gostar muito. A bondade e a cortesia têm a ver com fazer as coisas que ajudam as relações a evoluírem suavemente. Isso inclui esforçarmo-nos pelos outros, apreciando-os, encorajando-os, sendo delicados, ouvindo-os bem, dando crédito e louvando os esforços feitos. (…)
Ultimamente têm demonstrado reconhecimento aos vossos alunos, aos vossos filhos, ao vosso cônjuge, aos vossos colegas? (…) Madre Teresa de Calcutá dizia muitas vezes que as pessoas precisam mais desesperadamente de reconhecimento do que de pão.”
(…) Lembre-se de que não tem de ser chefe para encorajar e influenciar os outros. A cortesia comum está em fazer pequenas coisas que fazem “de uma casa um lar”. Pequenas coisas como ser o primeiro a sorrir, a cumprimentar, a dizer “se faz favor”, “obrigado”, “desculpe”, “enganei-me”, “tem razão”, “fez muito melhor do que eu faria”.
A simpatia é o lubrificante das relações humanas”.
In “Lições para Executivos”, James C. Hunter

segunda-feira, 16 de junho de 2008

O que se faz em prisão domiciliária...

Aqui estou eu quase a 100%...Falta o quase.


Estive sem Internet 54 horas e parecia que me encontrava em prisão domiciliária… Ademais, o fim-de-semana, agora que nem até à praia posso ir, ficou longoooooooooooo! Deu tempo para pensar, para tomar decisões.
O meu pé ainda não pode pousar no chão mas a cicatrização da fractura está a bom ritmo, consegui colocar a minha secretária, na casa nova, de maneira que vejo um pouco de mar, não faltam visitas, enfim, tudo segue o seu caminho.
Amanhã, dia 17, começo a trabalhar normalmente mas sentada numa cadeira e todas as peças começam a encaixar nos respectivos espaços
Comecei a pensar no que é ser Professor hoje, na primeira década do séc. XXI. Ser Professor, sem as normas ministeriais, já era uma Profissão muito especial. Ser Professor não exige normas, nem papelada. Significa querer e gostar de o ser. Pena que nem sempre todos os que exerceram esta Profissão a tivessem visto e sentido assim. Porque, meus Amigos, a Escola nem sempre foi “risonha e franca”.

Mas não são as leis, não são as condições, não são os equipamentos, de per si, que a fazem risonha e franca. Somos nós, os Professores. E será que o poderemos fazer sempre? Não, claramente. Primeiro, porque nem todos temos essa capacidade. Depois, porque a matéria-prima com que lidamos, os Alunos, nem sempre está preparada para acreditar que a escola pode ser assim. Pois se a sua casa o não é, se os seus pais os não estimam, se se sentem uns fardos sem préstimo nem futuro, como acreditar que a Escola pode ser um espaço especial? Felizmente alguns têm o privilégio de encontrarem uma escola risonha e franca, de a aceitarem como um abrigo. São os que à sexta-feira à tarde demoram mais a arrumar as coisas, que nunca falam das férias, que acham os fins-de-semana compridos.
Estive durante esta clausura a ler um livro que me impressionou. Essa obra, destinada a Executivos (?!) apresenta-nos a nós, Professores, como líderes naturais e necessários. Explica que raramente se nasce líder mas que, graças a Deus, se pode aprender a sê-lo. Diz que liderança não é automaticamente autoridade ou poder: é influência. E que temos que ser líderes porque estamos a formar pessoas. Não deveríamos ter que ser só nós a ter essa responsabilidade, mas tem que ser. Haveríamos de poder contar com os pais, os políticos, os chefes religiosos. Mas nós somos os que estão mais próximo dos jovens. Até porque a geração dos pais dos nossos alunos não teve, salvo as excepções da praxe, quem os influenciasse para construir o carácter.

Por isso, e citando o autor da obra em causa, “observo demasiados pais a quererem ser os “melhores compinchas” dos filhos, esforçando-se por lhes satisfazerem os seus infindáveis desenhos, em vez de lhes proporcionarem a liderança de que precisam, liderança que lhes dá limites, amor, retorno e disciplina de que as crianças tanto carecem para serem o melhor que puderem. Vejo pais mais preocupados em mimar e inundar os filhos de bens materiais que eles não tiveram na sua infância do que em lhes dar as coisas importantes que receberam de seus pais”.
Vou continuar um dia destes. A obra chama-se "Lições para Executivos", tem o inesperado subtítulo de “Como aprender a servir para liderar" e é de um senhor chamado James C. Hunter
.



As minhas flores de maracujá




Beijos de mulata

Estas florinhas chamam-se "beijos de mulata" e, no Brasil, ouvi chamarem-lhes "maria sem vergonha", porque nascem em qualquer lado. É a beleza do Senhor em todos os caminhos...

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Resposta para os ultimos do pelotão do Raul

A Irmã Susana, a minha grande Irmã na Terra e em Cristo, que muito
me ajudou a ver Deus como O vejo hoje! Eu estou lá ao fundo, de lenço na
cabeça...

Estas foram as primeiras crianças, no primeiro dia, em Mumemo, Moçambique e em cima estão algumas das senhoras deficientes físicas, mas com uma coragem espantosa, que tiraram um curso de informática. Aprende-se para se ensinar e ensina-se a aprender...

Mas agora vamos voltar aos meninos do Raul:


Há, ainda, uns tantos meninos do Raul cujas questões eu só vi ontem, dia 12. Ainda comecei a responder na altura, mas a posição em que escrevo não é a mais cómoda e deixei para hoje. Para o Pedro, a Francisca, o Nelson, a Catarina, a Inês, a Ana Arminda, um beijo e um xi-coração muito apertado. Desculpem se deixei alguém sem resposta, sim? Foi sem intenção, porque para mim são tos os meus “meninos do Professor Raul”. Uns felizardos…

Querido Pedro, não me aborreço nunca com as crianças. De qualquer cor ou tamanho. Isso quer dizer que todas elas, na sua inocência, agem da forma que me agrada? Não, quer dizer que sei que são crianças, que precisam de ser ajudadas a crescer direitas. Já reparaste que há árvores que, quando são pequeninas, têm que ser atadas a um pau forte? Pois é para elas crescerem fortes e direitas. Assim se deve fazer com as crianças. Se, de facto, gostamos delas, temos de as ajudar a crescer bem. As crianças são o Futuro e todos os adultos têm o dever de as proteger de todo o Mal. E, às vezes, o Mal é deixá-las sem regras, a crescer de qualquer maneira.

Nunca me arrependi do que fiz ou faço em Angola, Francisca. Gostaria, apenas, de ser capaz de fazer cada vez mais e melhor. Mas já me arrependi de não me ter indignado com mais força quando vi cometer injustiças, roubos, contra os mais fracos. Imagina que te pediam para vires a Angola para ajudar meninos a aprenderem a ser meninos, a conviver. Não tens nada senão o teu coração, 50 lápis que conseguiste que te oferecessem, dois apara-lápis, alguns papéis, um livro. Vens, vais para um local onde não tens água, não tens electricidade, dormes no chão em cima de uma esteira, tomas banho à noite, com a chuva maravilhosa que cai do céu, comes o que os meninos comem e depois descobres que as pessoas que te pediram para vir têm dinheiro para comprar os cadernos, as canetas, os quadros, os livros e até para comprar comida. Não ficarias zangada? Pois eu acho que me deveria ter zangado ainda mais!

Nelson, meu Lindo, já expliquei que nós devemos saber poupar-nos. Moçambique é onde está o meu coração, e eu lá sinto mais todas aquelas dores. E depois fico doente. Uma pessoa doente a fazer voluntariado só complica. E lá gostam de me chamar “Mãe Descomplica”. A minha frase-lema, quando chegam ao pé de mim e dizem “Mãe, tenho um problema” eu respondo logo “Não tem problema, tem solução”. Aliás, os problemas só existem para nos obrigarem a procurar as soluções...

Queridas Catarina e Inês, volto a Portugal daqui a quatro semanas. Posso visitar-vos, se quiserem, no princípio do novo ano lectivo. E vou contar-vos histórias de Moçambique e de Angola. Verdadeiras e também daquelas que começam por “era uma vez…”. Combinado?

Arminda, meu Bem, mal de mim se tivesse que escolher! Mas Portugal é a minha terra,mesmo com os seus problemas todos. Não há razão para eu pôr assim a faca ao peito… Mas, sabes uma coisa? Os meus ossos iriam agradecer se eu escolhesse Angola. Porque este calorzinho é muito bom para eles.
Meus Amores, um beijinho grande para todos da Avó Pirueta

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Esta mensagem tem destinatário. Ele/ela se reconhecerá

Antes de mais nada, quero agradecer à minha muito Querida Isaura ter-me mandado este conto. Que eu vou passar a quem dele precise. Com Amor.

O fio mágico
Era uma vez uma viúva que tinha um filho chamado Pedro. O menino era forte e saudável, mas não gostava de ir à escola e passava todo o tempo a sonhar acordado.
— Pedro, com o que estás sonhar a uma hora destas? — perguntava-lhe a professora.
— Estava a pensar no que serei quando crescer — respondia ele.
— Sê paciente. Tens muito tempo para pensar nisso. Depois de crescido, nem tudo é divertimento, sabes? — dizia ela.
Mas Pedro tinha dificuldade de apreciar alguma coisa que estivesse a fazer no momento, e ansiava sempre pelo que vinha a seguir. No Inverno, ansiava pelo retorno do Verão; no Verão, sonhava com passeios de esqui e trenó. Na escola, ansiava pelo fim das aulas, para poder voltar para casa; e, nas noites de domingo, suspirava dizendo: "Ah, se as férias chegassem depressa!"
O que mais o entretinha era brincar com a amiga Lise. Era uma companheira tão boa como qualquer rapaz, e a ansiedade de Pedro não a afectava nem ofendia. "Quando crescer, vou casar‑me com ela", dizia Pedro consigo mesmo.
Costumava perder-se em caminhadas pela floresta, sonhando com o futuro. Às vezes, deitava-se ao sol sobre o chão macio, com as mãos postas sob a cabeça, e ficava a olhar o céu através das copas altas das árvores. Uma tarde quente, quando estava quase a cair no sono, ouviu alguém a chamar por ele. Abriu os olhos e sentou-se. Viu uma mulher idosa de pé à sua frente. Ela trazia na mão uma bola prateada, da qual pendia um fio de seda dourado.
— Olha o que tenho aqui, Pedro — disse ela, oferecendo-lhe o objecto.
— O que é isso? — perguntou, curioso, tocando o fino fio dourado.
— É o fio da tua vida — retrucou a mulher. — Não toques nele e o tempo passará normalmente. Mas se desejares que o tempo ande mais depressa, basta dares um leve puxão ao fio e uma hora passará como se fosse um segundo. Mas devo avisar-te: uma vez que o fio tenha sido puxado, não poderá ser colocado de volta dentro da bola. Ela desaparecerá como uma nuvem de fumo. A bola é tua. Mas se aceitares o meu presente, não contes a ninguém; se não, morrerás no mesmo dia. Agora diz-me, queres ficar com ela?
Pedro tomou-lhe das mãos o presente, satisfeito. Era exactamente o que queria. Examinou-a. Era leve e sólida, feita de uma única peça. Havia apenas um furo de onde saía o fio brilhante. O menino colocou-a no bolso e foi a correr para casa. Quando chegou, depois de se certificar da ausência da mãe, examinou-a outra vez. O fio parecia sair lentamente de dentro da bola, tão devagar que era difícil perceber o movimento a olho nu. Sentiu vontade de lhe dar um rápido puxão, mas não teve coragem. Ainda não.
No dia seguinte, na escola, Pedro imaginava o que fazer com o seu fio mágico. A professora repreendeu-o por não se concentrar nos deveres. "Se ao menos", pensou ele, "já fossem horas de ir para casa!" Tacteou a bola prateada que se encontrava dentro do bolso. Se desse apenas um pequeno puxão, logo o dia chegaria ao fim. Cuidadosamente, pegou no fio e puxou. De repente, a professora mandou que todos arrumassem as suas coisas e fossem embora, organizadamente. Pedro ficou maravilhado. Correu sem parar até chegar a casa. Como a vida seria fácil agora! Todos os seus problemas haviam terminado. Dali em diante, passou a puxar o fio, só um pouco, todos os dias.Entretanto, logo se apercebeu que era tolice puxar o fio apenas um pouco todos os dias. Se desse um puxão mais forte, o período escolar estaria concluído de uma vez. Poderia aprender uma profissão e casar-se com Lise. Naquela noite deu, então, um forte puxão ao fio, e acordou na manhã seguinte como aprendiz de um carpinteiro da cidade. Pedro adorou a sua nova vida, subindo aos telhados e andaimes, erguendo e colocando, à força de martelado, enormes vigas que ainda exalavam o perfume da floresta. Mas, às vezes, quando o dia do pagamento demorava a chegar, dava um pequeno puxão ao fio e logo a semana terminava, já era a noite de sexta-feira e ele tinha dinheiro no bolso.Lise também se mudara para a cidade e morava com a tia, que lhe ensinava os afazeres do lar. Pedro começou a ficar impaciente a respeito do dia em que se casariam. Era difícil viver, ao mesmo tempo, tão perto e tão longe dela. Perguntou-lhe, então, quando se poderiam casar.
— No próximo ano — disse ela. — Eu já terei aprendido a ser uma boa esposa.
Pedro tocou com os dedos a bola prateada dentro do bolso.
— Ora, o tempo vai passar bem depressa — disse, com muita certeza.Naquela noite, não conseguiu dormir. Passou o tempo todo agitado, virando-se de um lado para o outro na cama. Tirou a bola mágica que estava debaixo do travesseiro. Hesitou um instante, mas logo a impaciência o dominou, e ele puxou o fio dourado. Pela manhã, descobriu que aquele ano já havia passado e que Lise concordara afinal com o casamento. Pedro sentiu-se realmente feliz.Mas antes que o casamento pudesse realizar-se, recebeu uma carta com aspecto de documento oficial. Abriu-a, trémulo, e leu a notícia de que deveria apresentar-se no quartel do exército na semana seguinte para servir por dois anos. Mostrou-a, desesperado, a Lise.
— Ora — disse ela — não há nenhum problema, basta-nos esperar. Mas o tempo passará depressa, vais ver. Há tanto que preparar para nossa vida a dois!
Pedro sorriu com galhardia, mas sabia que dois anos durariam uma eternidade a passar.Quando já se acostumara à vida no quartel, entretanto, começou a achar que não era tão má assim. Gostava de estar com os outros rapazes, e as tarefas não eram tão árduas como a princípio. Lembrou-se da mulher que aconselhara a usar o fio mágico com sabedoria e evitou usá-lo por algum tempo. Mas depressa voltou a sentir-se inquieto. A vida no exército entediava-o, com as suas tarefas de rotina e a sua rígida disciplina. Começou a puxar o fio para acelerar o decurso da semana, a fim de que chegasse logo o domingo ou o dia da sua folga. E assim se passaram os dois anos, como se fosse um sonho.Terminado o serviço militar, Pedro decidiu não mais puxar o fio, excepto por uma necessidade absoluta. Afinal, era a melhor época da sua vida, conforme todos lhe diziam. Não queria que acabasse assim tão depressa. Mas deu um ou dois pequenos puxões ao fio, só para antecipar um pouco o dia do casamento. Tinha muita vontade de contar a Lise o seu segredo; mas sabia que, se contasse, morreria.No dia do casamento, todos estavam felizes, inclusive Pedro. Mal podia esperar para lhe mostrar a casa que construíra para ela. Durante a festa, lançou um rápido olhar na direcção da mãe. Percebeu, pela primeira vez, que o cabelo dela estava a ficar grisalho. Envelhecera rapidamente. Pedro sentiu uma ponta de culpa por ter puxado o fio com tanta frequência. Dali em diante, seria muito mais parcimonioso no seu uso, e só o puxaria se fosse estritamente necessário.Alguns meses mais tarde, Lise anunciou que estava à espera de um filho. Pedro ficou entusiasmadíssimo, e mal podia esperar. Quando o bebé nasceu, ele achou que não iria querer mais nada na vida. Mas, sempre que o bebé adoecia ou passava uma noite em claro a chorar, ele puxava um pouco do fio para que o bebé tornasse a ficar saudável e alegre.Os tempos andavam difíceis. Os negócios iam mal e chegara ao poder um governo que mantinha o povo sob forte opressão e pesados impostos, e não tolerava oposição. Quem quer que fosse tido como agitador era preso sem julgamento, e um simples boato bastava para se condenar um homem. Pedro sempre fora conhecido por dizer o que pensava, e logo foi preso e lançado na cadeia. Por sorte, trazia a bola mágica consigo e deu um forte puxão ao fio. As paredes da prisão dissolveram‑se diante dos olhos e os inimigos foram arremessados à distância, numa enorme explosão. Era a guerra que se insinuava, mas que logo acabou, como uma tempestade de Verão, deixando o rasto de uma paz exaurida.
Pedro viu-se de volta ao lar com a família. Mas era agora um homem de meia-idade.Durante algum tempo, a vida correu sem percalços, e Pedro sentia-se relativamente satisfeito. Um dia, olhou para a bola mágica e surpreendeu-se ao ver que o fio passara da cor dourada para a prateada. Foi olhar-se ao espelho. O cabelo começava a ficar-lhe grisalho e o seu rosto apresentava rugas onde nem se podia imaginá-las. Sentiu um medo súbito e decidiu usar o fio com mais cuidado ainda do que antes. Lise dera-lhe outros filhos e ele parecia feliz como chefe da família que crescia. O seu modo imponente de ser fazia as pessoas pensarem que ele era algum tipo de déspota benevolente. Possuía um ar de autoridade, como se tivesse nas mãos o destino de todos. Mantinha a bola mágica bem escondida, resguardada dos olhos curiosos dos filhos, sabendo que, se alguém a descobrisse, seria fatal.Cada vez tinha mais filhos, de modo que a casa foi ficando cheia de gente. Precisava de a ampliar, mas não dispunha do dinheiro necessário para a obra. Tinha também preocupações. A mãe estava a ficar idosa, com a passagem dos dias, ia parecendo mais cansada. Não adiantava puxar o fio da bola mágica, pois isto só lhe aceleraria a chegada da morte. De repente, ela faleceu, e Pedro, parado diante do túmulo, pensou no modo como a vida passara tão rapidamente, mesmo sem fazer uso do fio mágico.
Uma noite, deitado na cama, sem conseguir dormir, pensando nas suas preocupações, achou que a vida seria bem melhor se todos os filhos já estivessem crescidos e com carreiras encaminhadas. Deu um fortíssimo puxão ao fio, e acordou no dia seguinte vendo que os filhos já não estavam em casa, pois tinham arranjado empregos em diferentes pontos do país, e que ele e a mulher estavam sós. O cabelo estava quase todo branco e doíam-lhe as costas e as pernas quando subia uma escada, ou os braços quando levantava uma viga mais pesada. Lise também envelhecera, e estava quase sempre doente. Ele não aguentava vê-la sofrer, de tal forma que lançava mão do fio mágico cada vez mais frequentemente. Mas sempre que o problema não se resolvia, já outro surgia em seu lugar. Pensou que talvez a vida corresse melhor se ele se aposentasse. Assim, não teria de continuar a subir aos edifícios em obras, sujeito a lufadas de vento, e poderia cuidar de Lise sempre que ela adoecesse. O problema era a falta de dinheiro suficiente para sobreviver. Pegou na bola mágica, então, e ficou a olhar. Para seu espanto, viu que o fio já não era prateado, mas cinza, e perdera o brilho. Decidiu ir para a floresta dar um passeio e pensar melhor no significado de tudo aquilo.Já fazia muito tempo que não ia àquela parte da floresta. Os pequenos arbustos haviam crescido, transformando-se em árvores frondosas, e foi difícil encontrar o caminho que costumava percorrer. Acabou por chegar a um banco no meio de uma clareira. Sentou-se para descansar e caiu num sono leve. Foi despertado por uma voz que o chamava pelo nome:
— Pedro! Pedro!
Abriu os olhos e viu a mulher que encontrara havia tantos anos e lhe dera a bola prateada com o fio dourado mágico. Aparentava a mesma idade que tinha no dia em questão, exactamente igual. Ela sorriu-lhe.
— E então, Pedro, a tua vida foi boa? — perguntou.
— Não tenho a certeza — disse ele. — A sua bola mágica é maravilhosa. Nunca na minha vida tive de suportar qualquer sofrimento ou esperar por qualquer coisa na minha vida. Mas tudo foi tão rápido. Sinto como se não tivesse tido tempo de apreender tudo que se passou comigo; nem as coisas boas, nem as más. E agora falta tão pouco tempo! Já não ouso puxar o fio, pois isso só anteciparia a minha morte. Acho que o seu presente não me trouxe sorte.
— Mas que falta de gratidão! — disse a mulher — Gostarias que as coisas fossem diferentes?
— Talvez se me tivesse dado uma outra bola, em que eu pudesse puxar o fio para fora e para dentro também. Talvez, então, eu pudesse reviver as coisas más.A mulher riu-se.
— Estás a pedir muito! Achas que Deus nos permite viver as nossas vidas mais de uma vez? Mas posso conceder-te um último desejo, seu tolo exigente.
— Qual? — perguntou ele.
— Escolhe — disse ela.
Pedro pensou bastante.Ao fim de bastante tempo, disse:
— Gostaria de voltar a viver a minha vida, como se fosse a primeira vez, mas sem a sua bola mágica. Assim, poderei experimentar as coisas más da mesma forma que as boas, sem encurtar a sua duração. Pelo menos, a minha vida não passará tão rapidamente e não se parecerá com um devaneio.
— Seja — disse a mulher. — Devolve-me a bola.
Ela esticou a mão e Pedro entregou-lhe a bola prateada. Em seguida, ele recostou-se e fechou os olhos, exausto.Quando acordou, estava na sua cama. A sua jovem mãe debruçava-se sobre ele, tentando acordá-lo carinhosamente.
— Acorda, Pedro, não vás chegar atrasado à escola. Estavas a dormir como uma pedra!Ele olhou para ela, surpreendido e aliviado.
— Tive um sonho horrível, mãe. Sonhei que estava velho e doente e que minha vida passara como num piscar de olhos sem que eu sequer tivesse ficado com algo para contar. Nem ao menos algumas lembranças.A mãe riu-se e fez que não com a cabeça.
— Isso nunca vai acontecer — disse ela. — As lembranças são algo que todos temos, mesmo quando velhos. Agora, anda, vai-te vestir. A Lise está a tua espera, não deixes que ela se atrase por tua causa.
A caminho da escola, em companhia da amiga, observou que estavam em pleno Verão e que fazia uma linda manhã, uma daquelas em que era óptimo estar-se vivo. Em poucos minutos, estariam a encontrar os amigos e colegas, e mesmo a perspectiva de enfrentar algumas aulas não parecia tão desagradável assim. Na verdade, ele não cabia em si de contente.
William J. Bennett
O Livro das Virtudes
Editora Nova Fronteira, 1995
Adaptação

Vírgulas para a Teresa de Longe


Amigos, com a mesma singeleza destas florinhas, e para corresponder a um pedido da nossa Teresa de Longe, aqui mando as minhas "vírgulas". O texto é um pouco comprido, Fátima, mas não se pode ter tudo por 25 tostões(...) e achei que dividir em partes não ia ajudar nada. Espero que a Censura não ligue muito aos exemplos que arranjei... Cá vai, então, Gente Minha:
A vírgula indica uma breve pausa na leitura, com ligeira inflexão de voz, e muitas vezes o seu uso varia de autor para autor, com determinadas intenções estilísticas ou expressivas. No entanto, há regras fixas que devem ser observadas e é dessas que vamos tratar aqui. Devido à sua importância, vou começar pelos casos em que não se deve usar a vírgula…
Regra número 1: Nunca se emprega a vírgula para separar o sujeito do predicado, se eles estão juntos: A ministra da Educação deve dormir muito mal.
Regra número 2. Nunca se separa por vírgula o verbo dos seus complementos: Ele mandou um grande ramo de flores para a seduzir.
Regra número 3. O vocativo é sempre, sempre, seguido de vírgula: Menino Jesus, dá-me uma boneca.
Não brinque connosco, Senhora Ministra, porque isto não vai lá assim.
Avó Pirueta, tu és muito impertinente!
Regra número 4. Os apostos ou continuados registam-se sempre entre vírgulas:
Afonso Henriques, o primeiro rei de Portugal, tinha cabelinho na venta.
A obra mais conhecida de Agostinho Neto, Sagrada Esperança, é hoje usada para designar muitas instituições diferentes.
Regra número 5. As frases começadas por gerúndio ou particípio passado independente separam-se da oração seguinte por vírgula: Humilhando os Professores, ninguém com cabeça esperaria a sua colaboração.
Começando a chover, o passeio não se realizou.
Dada a situação de desconforto actual, as coisas não podem correr bem.
Regra número 6. Separam-se por vírgulas todos os elementos de uma oração com idêntica natureza e valor funcional, não ligados por conjunção: A senhora provocou, insultou, humilhou, colocou os professores todos no mesmo saco.
Regra número 7. Colocam-se entre vírgulas as palavras ou frases intercaladas: Por mais que a avisassem, e fizeram-no muitas vezes, ela não mudou de atitude.
Ela, teimosa, quis apanhar moscas com vinagre.
Regra número 8. Os advérbios sim e não são seguidos de vírgula quando começam uma oração e se referem à anterior:
Sim, a situação está mais do que escaldante.
Não, a solução não é enterrar a cabeça na areia.
Regra número 9. Usa-se vírgula depois das adversativas: porém, todavia, contudo, apesar disso, no entanto, pelo contrário, por outro lado: Podia ter-nos conquistado; contudo, preferiu fazer de nós o bode expiatório.
Apesar disso, a esperança ainda não morreu em muitos de nós.
Regra número 10. Antes de conjunções como embora, mas, etc., segue-se a regra anterior:
Sentia que ainda faltava muito para fazer, embora trabalhasse há horas sem fim.
Não me vou dobrar a esta regra sem sentido, ainda que isso me custe caro.
Regra número 11. Separam-se também, na generalidade, por vírgulas, as palavras aliás, enfim, isto é, pois, talvez, e outros elementos semelhantes: Não acredito nela, aliás, duvido que alguém acredite. Enfim, há sempre ingénuos, isto é, pessoas que ainda acreditam que os bebés vêm no bico das cegonhas.
Regra número 12. A vírgula também serve para separar a designação de uma entidade ou de um lugar, quando se data um escrito: Évora, 25 de Abril de 1974
Regra número 13. Antes do relativo que emprega-se a vírgula quando aquele introduz uma oração identificativa ou restritiva, como lhe queiramos chamar, isto é , que serve para identificar alguma coisa ou alguém: Os professores da Escola António Nobre, que responderam não à cenoura, deram-nos um exemplo de dignidade.
Neste caso estamos a afirmar duas coisas:
a) Todos os professores da Escola António Nobre responderam “não” à cenoura.
b) Todos os professores da Escola António Nobre nos deram um exemplo de dignidade.
Comparemos com esta frase:
Os professores que não têm espinha dorsal estão sempre bem.
Quem é que está sempre bem? Os professores que não têm espinha dorsal. Não são os Professores todos…
Reparemos: se eu disser:
a) O meu Pai que adorava chocolates tinha o azar de ser diabético.
b) O meu Pai, que adorava chocolates, tinha o azar de ser diabético.
no primeiro caso, estou a “insultar” a minha Mãe: “tenho tantos pais que, para identificar o que adorava chocolates, tenho que dizer que esse era o triste que era diabético…”
No segundo exemplo não estou a identificar o meu Pai. Pai é só um…Estou a dizer duas coisas a respeito dele: que adorava chocolates e que era diabético.
Expliquei-me? Tive que adaptar os exemplos. Os que uso por aqui são mais "regionais"...

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Cuidado com a pontuação!


No meu Livro da 4ª Classe havia um texto que começava assim: “Um caçador tinha um cão e a mãe do caçador era também o pai do cão. Isto nos idos de 1950/51. E seguia-se mais texto, para nos dar conta da importância da pontuação, o texto vinha mais abaixo pontuado como deve ser, mas é claro que a D. Magda queria é que nós pontuássemos e o resto eram cantigas… Frases no quadro, livros fechados e vamos lá a usar a lógica! (Esta coisa de a gente não ter televisão aguçava muito a Lógica, digo-vos eu!). Bem, apesar de arrevesada, a forma correcta seria assim: “Um caçador tinha um cão e a mãe; do caçador, era também o pai do cão”. Resumindo, o maroto do caçador tinha três cães: o cão com que caçava e ainda o pai cão e a mãe cadela do dito cão…
É também famoso aquele texto do testamento do ricaço que não teve tempo de fazer a pontuação antes de morrer:
Um homem rico estava muito doente, pediu papel e caneta, e assim escreveu:
"Deixo meus bens à minha irmã não a meu sobrinho jamais será paga a contado alfaiate nada aos pobres"
E o rico homem morreu antes de fazer a pontuação.
Para quem deixava ele a fortuna?Eram quatro concorrentes.O sobrinho fez a seguinte pontuação:"Deixo meus bens à minha irmã? Não, a meu sobrinho. Jamais será paga a conta do alfaiate. Nada aos pobres."
A irmã chegou em seguida e pontuou assim o escrito:"Deixo meus bens à minha irmã, não a meu sobrinho. Jamais será paga a conta do alfaiate. Nada aos pobres."
O alfaiate pediu cópia do original e puxou a brasa para a sua sardinha:
"Deixo meus bens à minha irmã? Não! Ao meu sobrinho jamais! Será paga a conta do alfaiate. Nada aos pobres."
Aí, chegaram os pobrezinhos da cidade. Um deles, mais sabido, fez esta interpretação:"Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho jamais!Será paga a conta do alfaiate? Nada!
Aos pobres!"
Vejam, por outro lado, a diferença de interpretação no diálogo entre as Santas Mulheres, na manhã da Ressurreição, conforme a pontuação:
- Jesus ressuscitou? Não, está aqui.
- Jesus ressuscitou. Não está aqui.
- Jesus? Ressuscitou. Não está aqui.


E quem não se lembra de uma famosa vírgula, saída em Diário da República, destinada a atingir um alvo determinado? Afinal, as regras ainda não vão agora. Adevirtam-se, como se diz em Anobra, os mais velhos, claro...

Dicas para bem escrever

Há tempos recebi, de pessoa Amiga, "29 dicas para bem escrever". Como a Teresa de LOnge me pediu que postasse algumas regras para a utilização da vírgula, o que farei no poste já a seguir, aqui seguem as 29 dicas... Cuidado!
1. Deve evitar ao máx. a utiliz. de abrev., etc.
2. É desnecessário fazer-se empregar de um estilo de escrita demasiadamente rebuscado. Tal prática advém de esmero excessivo que raia o exibicionismo narcisístico.
3. Anule aliterações altamente abusivas.
4. não esqueça as maiúsculas no inicio das frases.
5. Evite lugares-comuns como o diabo foge da cruz.
6. O uso de parêntesis (mesmo quando for relevante) é desnecessário.
7. Estrangeirismos estão out; palavras de origem portuguesa estão in.
8. Evite o emprego de gíria, mesmo que pareça nice, tá fixe?
9. Palavras de baixo calão podem transformar o seu texto numa m----.
10. Nunca generalize: generalizar, é um erro em todas as situações.
11. Evite repetir a mesma palavra, pois essa palavra vai ficar uma palavra repetitiva. A repetição da palavra vai fazer com que a palavra repetida desqualifique o texto onde a palavra se encontra repetida.
12. Não abuse das citações. Como costuma dizer um amigo meu: "Quem cita os outros não tem ideias próprias".
3. Frases incompletas podem causar...
14. Não seja redundante, não é preciso dizer a mesma coisa de formas diferentes; isto é, basta mencionar cada argumento uma só vez, ou por outras palavras, não repita a mesma ideia várias vezes.
15. Seja mais ou menos específico.
16. Frases com apenas uma palavra? Jamais!
17. A voz passiva deve ser evitada.
18. Utilize a pontuação correctamente o ponto e a vírgula especialmente
será que já ninguém sabe utilizar o ponto de interrogação
19. Quem precisa de perguntas retóricas?
20. Conforme recomenda a A.G.O.P, nunca use siglas desconhecidas.
21. Exagerar é cem milhões de vezes pior do que a moderação.
22. Evite mesóclises. Repita comigo: "mesóclises: evitá- las-ei!"
23. Analogias na escrita são tão úteis quanto chifres numa galinha.
24. Não abuse das exclamações! Nunca! O seu texto fica horrível!
25. Evite frases exageradamente longas, pois estas dificultam a compreensão da ideia nelas contida, e, por conterem mais que uma ideia central, o que nem sempre torna o seu conteúdo acessível, forçam desta forma, o pobreleitor a separá-la nos seus diversos componentes, de forma a torná-las compreensíveis, o que não deveria ser, afinal de contas, parte do processo >da leitura, hábito que devemos estimular através do uso de frases mais curtas.
26. Cuidado com a hortografia, para não estrupar a língúaa portuguêza.
27. Seja incisivo e coerente, ou não.
28. Não fique escrevendo no gerúndio. Você vai deixando seu texto pobre - causando ambiguidade - e esquisito, ficando com a sensação de que as coisas ainda estão acontecendo.
29. Outra barbaridade que você deve evitar é usar muitas expressões que acabem por denunciar a região onde tu moras, carago!

terça-feira, 10 de junho de 2008

Resposta para a Viki e Ana Mano

Minhas Lindas, vou-vos ensinar um ditado que os portugueses usam vezes demais, na minha opinião: "A galinha da minha vizinha é sempre melhor do que a minha!" Mentira! Podem ser diferentes, mas a galinha da minha vizinha não tem que ser melhor do que a minha. Portanto, minhas Queridas, eu peço-vos que, se gostam de mim como dizem, olhem para as vossas Avós como elas são e vejam-nas como umas grandes Avós. Amem-nas, respeitem-nas, mimem-nas, porque elas estão a fazer aquilo que é preciso no lugar e no tempo que é preciso.
Não estão aqui em África? Não, mas quase de certeza estão aí a fazer coisas muito precisas. Estão a trabalhar, a ajudar os filhos, a mimar os netos. Nunca comparem ninguém, porque nós só vemos pelo lado de fora, não vemos as pessoas por dentro.
Agora, também não quero que fiquem a pensar que fiquei triste ou aborrecida com os vossos comentários! Nada disso! Gostei muito de saber que apreciam o que eu faço, mas (outro ditado...) " o seu a seu dono". Sabem de que é que eu gostaria agora? Seria que vocês, pessoalmente ou pelo telefone, dessem um grande abraço e um grande beijo aos vossos Avós, ele e ela. Pode ser?
Beijinhos, minhas Lindas, da Avó Pirueta e que Deus vos abençoe.