domingo, 29 de junho de 2008

Miserere, de Alda Lara


Hoje tenho-me lembrado muito de Poesia e Poetas. E recordei como, garota pequena, procurava os poemas de Alda Lara, quando ainda eram publicados, nos jornais de Domingo. Não sei se os entendia, mas procurava-os. Aqui vos deixo um, escrito quando eu tinha apenas dois anos. Eu chamar-lhe-ia "Acto de Contrição" mas Alda Lara preferiu chamar-lhe Miserere. Sempre que o leio me magoo. Mas sinto que quero este magoar-me.

Miserere
Perdoai-me, Senhor!
Perdoai-me,
que eu não sabia...
No meu palácio
batido por todos os mares de coral,
encastoada em espumas,
e rendas,
e ouropéis,
coberta de cetins e de anéis
no meu palácio de ilusão
onde cantam sereias pela noite dentro,
Senhor!
eu não sabia nada...
Foi preciso que o céu se cobrisse
de nuvens negras,
e a tempestadade sacudisse
a solidão dos meus salões,
para que eu,
transida de medo,
descesse aos subterrâneos do meu palácio,
em busca de protecção
e calor...
E nos subterrâneos...
só encontrei
dor maior que a minha...
medo maior que o meu...
e loucura,
e suor,
e fome,
e ódio frio,
e revolta surda,
e o cheiro putrefacto dos corpos
que trouxe a maresia...
Ah! perdoai-me
Senhor!
Perdoai-me...
que eu não sabia.
1949 – Março