sexta-feira, 6 de junho de 2008

Hoje estou ansiosa...


Quem for da minha idade lembra-se de um texto, do livro da 4ª classe, que se chamava “A Mulher minhota”. E começava assim: A mulher minhota trabalha mais do que o homem.” Pois. Começo pelo meu louvor à Mulher Moçambicana. Vejam depois como tudo se interliga. Para ti, em especial, Teresa de Longe.

Mulher Moçambicana,
eu te saúdo,
neste dia que a ti é dedicado.
Em casa, na machamba,
tu és tudo
tudo nasce de tuas mãos, do teu cuidado

Manhã cedo, inda a lua é uma bola,
levantas-te da cama, diligente.
tratas dos filhos, manda-los para a Escola,
para lhes dares um futuro diferente.

Limpas a casa, acarretas água,
cavas a mandioca e o feijão.
Cantas e danças, mas sabe Deus a mágoa
que às vezes mora no teu coração.

Queres um amanhã melhor prá tua terra,
serás o motor dessa mudança.
Forte na paz, forte na guerra
Moçambique põe em ti sua esperança.

Quando vestes a tua capulana
que envergas com orgulho e elegância,
és o retrato da mulher africana
e o teu corpo caminha numa ânsia
de agarrar um Amanhã diferente,
para ti e para a tua gente.
Deus te abençoe, Mulher Moçambicana!

(Mumemo, Moçambique, 7 de Março de 2006)
Moçambique tem mais ministras do que Portugal, umas poucas de governadoras de Província e não são de gabinete. Correm os distritos do seu território e são aguardadas com respeito e expectativa. Os cursos superiores que funcionam à noite estão cheios de mulheres, que trabalham de dia, que tratam da casa, que não têm transporte próprio. Elas estão dispostas a fazer todos os sacrifícios para dar uma vida melhor aos filhos.
Nos bairros suburbanos, as mulheres fazem tudo, sustentam a casa, vendem, compram, viajam para os países vizinhos para negociar. Criam pintos, fazem doces, salgados, comida para vender aos operários, nos passeios. Muitas levantam-se de madrugada e viajam empoleiradas em equilíbrio instável, em cima de camiões que, conforme a época do ano, as trazem com carvão, com couve, com tomate, com laranjas, etc., que vão buscar a centenas de quilómetros de distância. Chegam à cidade por volta das oito horas, depois de terem viajado tempos infinitos, muitas vezes à chuva, outras ao frio, sempre com um fito: que os filhos tenham um futuro diferente do delas. E especialmente as filhas.
Ouso afirmar que, para as mulheres moçambicanas não europeizadas, (portanto, acima dos 40 anos, mais ou menos), os homens só são realmente importantes porque sem eles elas não teriam filhos. Esses, sim, merecem todos os sacrifícios. Às vezes, metidos à força pela boca abaixo. E é ver o orgulho com que algumas mulheres falam da forma como foram educadas: com exigência, a levantarem-se de madrugada para acarretar água antes de ir à Escola, para cavar a machamba ainda noite escura, para aprenderem o seu valor. Por muito que custe a saudosistas, foi entre estas mulheres que brotou a vontade da autonomia, da liberdade. Se os resultados não foram exactamente os desejados, a culpa não foi delas. Por isso continuam a lutar corajosamente, agora contra a discriminação de género, pelo direito à igualdade, pelo fim da violência doméstica.
E será que isto não está a acontecer um pouco por todo o lado? O que é que está bem ou mal? Tudo e nada. Depois de séculos confinadas à cozinha e sala, as mais afortunadas, à lavoura e ao serviço doméstico a maior parte, foi desta última camada que, também em Portugal, as mulheres enfrentaram dificuldades para porem as filhas na Escola, para as levarem até à Universidade. Infelizmente, muitas vezes, só para ouvirem chamar-lhes doutoras. Aí é que está o engano: as raparigas obtêm melhores resultados porque crescem, amadurecem, mais depressa. São, na maior parte das vezes, mais persistentes, têm mais brio. Com as excepções da praxe. O importante, contudo, não está em serem em maior número nas Escolas ou terem classificações mais altas. Julgo que este tempo em que vivemos será o verdadeiro tempo das Mulheres se elas se aceitarem como Mulheres, não para competirem com os Homens, mas para os ajudarem a serem melhores seres humanos.
Faz parte da nossa natureza sermos mais pacíficas e pacificadoras. Não deixemos morrer esta característica. Não queiramos considerarmo-nos melhores do que os Homens. Somos melhores do que alguns, em algumas coisas, e piores do que outros, em outras coisas. E depois, que mal há nisso? Vamos, agora que quase estamos realmente do mesmo lado da barricada, desejando o mesmo – um futuro promissor para os nossos filhos e netos – pormo-nos a discutir que é melhor do que quem? Que tola perda de tempo!
Homens de Portugal, olhem que as vossas mulheres, filhas e namoradas estão a pôr as unhas de fora. Não se assustem: aceitem-nas como iguais na sua diferença, façam-lhes sentir que a diversidade é sempre enriquecedora. (Não as ensinem a mudar um pneu para poderem ter sempre um ponto de vantagem se vos cair em sorte uma daqueles que puxa dos galões em todas as circunstâncias...) Sabem o que a maior parte das mulheres quer ser, de facto, mesmo não confessando? Querem ser Mulheres! Só que, para se poder ser Mulher, é preciso que haja Homens à altura, ora essa! Demos graças a Deus, que parece que vai havendo. Para bem da Humanidade. Mulheres de todo o Mundo, usemos as nossas qualidades intrínsecas para mudar o que deve ser mudado. Façamos tudo o que nos for possível para acabar com a violência, com a guerra, com a discriminação, com a injustiça. Usemos o coração e a cabeça e, certamente, todos, Homens e Mulheres, seremos mais humanos e felizes.

Bob Geldof, África, Fome, Pobreza, Guerra, Corrupção... Parte 4,25


Os "retornados" e eu, eu e os "retornados"

Para falar dos retornados de uma forma mais concreta, vou remeter-vos para uma experiência vivida, nos idos de 1976. Como professora, sempre privilegiei a relação com os alunos, procurando conhecê-los o melhor possível, cada um na sua circunstância pessoal. Ouvia-os muito, dentro e fora da sala, e como costumo dizer, tive que lhes dar, muitas vezes, o ombro e o lenço. Mas uma das coisas de que tenho mais orgulho é do facto de muitos dos meus rapazes e raparigas, homens e mulheres, acharem que eu sabia muito da vida e que tinha uma grande cultura geral. Atenção: não estou a dizer que tenho! Estou a dizer que eles pensavam que eu tinha, o que é diferente.

Ora um dia, nesse ano já longínquo, dava eu aulas na Escola de Artes Decorativas Soares dos Reis (1976-77), estava no auge o regresso dos portugueses do ultramar, e os mais velhos talvez se lembrem, começava a fazer-se sentir um certo mal-estar. Os “portugueses de cá” que tinham recebido parentes em casa começavam a sofrer daquela síndroma de “os hóspedes, aos três dias, começam a cheirar mal”. Outros criticavam o facto de se terem instalado famílias inteiras, em números astronómicos para a altura, nos hotéis do país, dos menos aos mais “estrelados”. Por sua vez, muitos dos regressados (embirro com a palavra “retornados, até porque muitíssimos não tinham retornado a lado nenhum, porque nem sequer tinham nascido em Portugal), também não ajudavam muito a mudar o ambiente.

Muitos desses desalojados, nessa primeira fase de desânimo, só complicavam, com as suas lamentações contínuas sobre as desgraças que lhes tinham acontecido, pelas fortunas e haveres que teriam deixado em África, pelo elevado nível de vida que diziam ter perdido para sempre. Além disso, e de uma maneira geral, parecia que muitos, só por ter atravessado o Equador, se tinha tornado mais cultos e inteligentes e olhavam os “de cá” com uma certa sobranceria. Nós, coitados, éramos os “indígenas” daqui, que não tínhamos saído da cepa torta...
Neste momento da narração tenho a obrigação moral de dizer recebi muitos dos meus parentes (toda a minha família vivia em Angola) quando regressaram, mas que isso não tem nada a ver com o que aqui exprimo.


Depois de vos ter impacientado com este longo preâmbulo, vamos então à história que vos quero contar. Um dia, um aluno chamou a minha atenção pelo ar abatido, preocupado, distraído, que apresentava. Nitidamente, só estava na sala em ofício de corpo presente. A uma certa altura resolvi questioná-lo sobre a sua postura e respondeu-me de imediato, com uma pergunta, como se estivesse naquele preciso momento a pensar no caso: “Professora, por que é que nós, os Portugueses, somos tão pobres? E somos tão invejosos?”
Confesso que, num primeiro momento, fiquei pasmada, siderada. E pedi-lhe que esclarecesse melhor o seu pensamento. Não sabia bem o que ele queria dizer. E foi aí que o nosso rapaz, que neste momento deve ter os seus 47 a 48 anos, contou que a sua casa parecia um manicómio. Havia gente demais para o tamanho da habitação, os familiares que lá se tinham instalado passavam a vida a suspirar por comida especial, a mãe dele dizia que a irmã estava fina demais para o gosto dela, que nem a roupa lavava, etc., etc. Por sua vez, o pai reclamava duplamente: uma, pelos parentes da mulher não terem procurado ajuda junto das instituições competentes para poderem receber acolhimento e abrigo nos tais hotéis. Mas, logo a seguir, criticava essa mesma política, dizendo que os “retornados” estavam a ser alvo de um tratamento especial, pois os hotéis eram muito caros, “alguém se andava a arranjar com a situação” (sic) e, que lhe constasse, nunca os portugueses de cá, em situação de calamidade, tinham recebido esse tratamento VIP.


O pobre do rapaz andava baralhado e confuso com as discussões constantes e particularmente pela alteração de sentimentos entre o momento da chegada dos parentes e o presente. Bem, pareceu-me um caso delicado e nem via bem onde é que ele via a relação da situação com a questão de nós, portugueses, sermos pobres e invejosos. Também foi rápido a explicar: a avó dizia que “casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão” e os tios continuavam a lamentar a perda da grande fortuna que diziam ter deixado para trás e a mãe, quando estavam a sós, dizia que era tudo uma grande aldrabice e que a irmã nunca se tinha lembrado dela quando era rica... Decidi contar-lhes a História e histórias de Portugal.

Já vão ver porquê. Num dos próximos capítulos… Para justificar como o retorno dos “colonos” foi mais uma das nossas oportunidades perdidas.

Intermezzo para o Cumpadre Besberto e sua Senhora, minha Cumadre Maria

Queridos Cumpadres, a receita dos coscorões é mesmo uma deliça, e como me ensinaram que coscorões com sonhos se pagam, cá vai disto:
Natal doce

Com abóbora, açúcar e Amor...
Faça sonhos ou doce de barrar.
Se não sabe, leia por favor,
Pois tenho muito gosto em lhe ensinar.

Para os sonhos, coza em pouca água
A abóbora em pedaços bem cortada
Deixe depois, sem pressas e sem mágoa,
numa peneira, a escorrer sem fazer nada.

Depois, com as mãos para juntar o seu Amor.
Amasse bem e junte algum fermento,
Farinha pouca, e bata, por favor,
Juntando uns ovos com muito sentimento.

Pode juntar, se a massa aguentar
Um pouco de aguardente de boa qualidade
Por fim algum açúcar, e comece a fritar,
Em frigideira funda, com óleo à vontade.

Disponha-os num prato bem bonito
Polvilhe com açúcar e canela
Depois, para todos sentirem o Natal,
deixe sair o aroma pela janela

Mas se preferir o doce de barrar
Aqui vai a receita sem segredo,
É fácil, pode experimentar
É sempre bom, escusa de ter medo.

Corta-se a abóbora em pedacinhos
Como se fossem batatas às rodelas
Junte duas laranjas cortadas bem fininhas
Sem casca nenhuma à volta delas.

Pese um quilo e ponha na panela
Depois junte açúcar em quantidade igual
Um cheirinho de água, pauzinho de canela,
E leve ao lume com paciência de Natal.

Vá olhando e mexendo com cuidado
Enquanto outras coisas vai fazendo
Quando estiver pronto, e depois de esfriado
Encha frasquinhos para ir comendo.