Luanda, 2008
Estou em Angola pela 5ª vez em 3 anos, depois de aqui ter vivido os primeiros 23 anos da minha vida. Esta Luanda já não é a “minha” Luanda, nem o deveria ser. Esta minha Luanda de agora dói-me e enche-me a alma, ao mesmo tempo. O seu crescimento desmesurado, sem estruturas mínimas, provoca um caos enorme. O tráfego automóvel é indescritível, a pobreza vê-se a olho nu.
Mas há um calor humano, uma azáfama incessante, um acreditar contra todo o desespero que me enche de Esperança. Portanto, Raul do Imenso sorriso, quero dizer-te que o prédio da Cuca ainda existe. Lembra-te de que eu sou do tempo da construção da fábrica da Cuca, na Estrada do Cacuaco. Foi o senhor Paulino, um diletante (sei-o agora) que era hóspede em casa do meu pai e o que me disse que o Menino Jesus punha presentes nos sapatinhos, que ganhou o concurso para o primeiro rótulo. Mas na Marginal, o prédio da cerveja rival, a Nocal, ainda é mais alto.
Aliás, a construção vê-se crescer minuto a minuto, em todo o espaço, a uma velocidade e custo inexplicáveis. O espaço é tão valioso como ouro e não consigo imaginar os limites do futuro.
O velho e belo Banco de Angola, ainda é imponente, no seu cor-de-rosa desmaiado por muitos sóis e chuvas. A baía, a minha belíssima e querida Baía de Luanda, aquela que mais se assemelhava a Guanabara, está a ser modificada. Raramente lá passo, mas aperta-se-me o coração ao vê-la, quase toda já tapada com areia. Dizem que é para construir um parque temático, mas, sinceramente, não sei de quê.
O Mussulo, a Corimba, o Cabo Ledo, a Ilha, continuam a ser praias maravilhosas, com água de onde não apetece sair. Nossa Senhora da Muxima continua com a sua festa a 13 de Maio, pois embora Muxima signifique “coração”, Nossa Senhora da Muxima é Nossa Senhora de Fátima.
Ontem houve várias procissões nocturnas, tão parecidas com as nossas que, se fossem de dia e com foguetes, esqueceríamos a falta do rosmaninho e pensaríamos estar a ouvir João Villaret a dizer “A Procissão”…
A Maianga ainda é uma zona nobre, a Cidade Alta está mais reservada, pois aí funciona o Palácio do Governo e várias altas instituições. O velho cinema Restauração foi abaixo e agora está lá o Palácio da Assembleia Nacional. Por detrás, o velho Parque Heróis de Chaves ainda se chama Parque Heróis de Chaves. O Hospital D. Maria Pia dividiu o nome com o da primeira esposa de Samora Machel – Josina Machel.
A Rua dos Combatentes chama-se agora Comandante Valódia, mas por cada uma pessoa que a designa por este nome há dez que lhe chamam simplesmente “os Combatentes”. A Rua D. António Barroso deve ter 50 pessoas a dar-lhe este nome em vez do que lá está na placa e que nem recordo.
Já não há o cinema Miramar, o Nacional chama-se agora “Chá de Caxinde”, o Tropical continua com o mesmo nome. O Mercado de Quinaxixe, situado no Largo do Quinaxixe, que já tinha sido chamado, não sei por que bulas, Largo dos Lusíadas e depois, Largo da Maria da Fonte (!)
continua fechado e a fazer uma falta enorme. A Livraria Lello nem chega a ser uma pálida chama do que foi, mas há-de arribar.
A antiga Câmara, sobre a Mutamba, de onde não saem nem onde chegam machimbombos, é agora o Palácio do Governo da Província de Luanda.
E o povo? O povo é um povo orgulhoso, que quer ter voz activa, que se assume como uma velha civilização, ainda que diferente. Antigas tradições estão a ser recuperadas, mesmo ao nível daquilo que se chama “as melhores famílias”: o alambamento (festa em que o noivo entrega à família da noiva uma espécie de dote ou arras - quem se lembra de “Arras por foros de Espanha? – e tanto maior quanto mais importante ele se quiser fazer ver). Os nomes antigos começam a tornar-se comuns, como Nfulu para menina (quer dizer “bonita”) ou Landas, nome masculino que significa “sábio”. Há muitas crianças, graças a Deus, as mulheres vestem com bom gosto, são bonitas, bem feitas, uma tentação para quem vem sozinho… Os homens são vaidosos, capricham no vestuário e gostam de trazer os sapatos reluzentes de graxa.
Malange, Kibaxi, Viana, Úcua, Sumbe, Gabela, muito envelhecidas porque o seu povo veio para Luanda e não mostra vontade de voltar. O sul, com o seu clima mais ameno, está a crescer mais ordenadamente e está de encher o coração.
Hei, minha gente Africana, chegou? Eu nunca me canso de falar destas terras.
quarta-feira, 14 de maio de 2008
Angola em que vivo
Os trajes tradicionais, muito coloridos, enchem os meus olhos de vontade de os ter a todos...
O que faço por aqui?
Pôr de sol Africano, num santuário de embondeiros
Depois de percorridos mil caminhos
Para chegar a mim,
Descobri que a rota mais directa
Era sair de mim.
Muitos me perguntaram, curiosos,
“África, porquê e em que nome?
Não vês perto de ti tantos desejosos
Tantos também com Fome?”
Lembrei-me então da parábola
Em que Jesus falou das migalhinhas
Que ao cair da mesa dos eleitos
Alimentavam as bocas pobrezinhas.
Procurei, pois, fazer algo no meu espaço
Procurei dar o meu Tempo, um Bem imperecível
Mas ninguém aceitou o meu regaço,
Nem precisou do meu ombro disponível.
Quem me procurou não precisava
E a quem me ofereci não aceitou.
E África a clamar, dentro de mim,
Mais uma vez, bem alto, me chamou,
Como uma Mãe a gritar pelo filho ausente.
Tive mesmo de lhe dizer “Presente”
E vim, e fui, e vim.
Que faço? perguntam
Sigo as regras que eu própria estabeleci:
Faço o que sei, onde for preciso,
Pois esse é o trabalho que escolhi.
Numa comunidade terrivelmente pobre,
Onde terei que ser pobre também.
Não posso nem quero ser diferente,
Eles são meus Filhos, eu sou Mãe.
Aprendo e ensino a fazer Pão
Com inesperados ingredientes;
Construímos o forno, em união,
Preparamos a terra e as sementes.
Descubro em cada dia uma nova oferta
Que o Senhor me traz sem a pedir
E procuro manter a alma aberta
Para aprender a melhor amar e a sentir.
Outras vezes, procuro humanizar
Tudo o que está associado à Dor
E sinto uma alegria singular
Por cada novo gesto de um velho Amor.
“Mas o que fazes? Perguntam outra vez
E outra vez respondo sem mentir.
Faço o que é preciso em cada vez,
Faço o que me pedem sem pedir.
O que me dá mais Alegria e mais Calor
É trabalhar com mulheres e com crianças.
Gosto de sentir-lhes a cabeça no regaço,
Para chegar a mim,
Descobri que a rota mais directa
Era sair de mim.
Muitos me perguntaram, curiosos,
“África, porquê e em que nome?
Não vês perto de ti tantos desejosos
Tantos também com Fome?”
Lembrei-me então da parábola
Em que Jesus falou das migalhinhas
Que ao cair da mesa dos eleitos
Alimentavam as bocas pobrezinhas.
Procurei, pois, fazer algo no meu espaço
Procurei dar o meu Tempo, um Bem imperecível
Mas ninguém aceitou o meu regaço,
Nem precisou do meu ombro disponível.
Quem me procurou não precisava
E a quem me ofereci não aceitou.
E África a clamar, dentro de mim,
Mais uma vez, bem alto, me chamou,
Como uma Mãe a gritar pelo filho ausente.
Tive mesmo de lhe dizer “Presente”
E vim, e fui, e vim.
Que faço? perguntam
Sigo as regras que eu própria estabeleci:
Faço o que sei, onde for preciso,
Pois esse é o trabalho que escolhi.
Numa comunidade terrivelmente pobre,
Onde terei que ser pobre também.
Não posso nem quero ser diferente,
Eles são meus Filhos, eu sou Mãe.
Aprendo e ensino a fazer Pão
Com inesperados ingredientes;
Construímos o forno, em união,
Preparamos a terra e as sementes.
Descubro em cada dia uma nova oferta
Que o Senhor me traz sem a pedir
E procuro manter a alma aberta
Para aprender a melhor amar e a sentir.
Outras vezes, procuro humanizar
Tudo o que está associado à Dor
E sinto uma alegria singular
Por cada novo gesto de um velho Amor.
“Mas o que fazes? Perguntam outra vez
E outra vez respondo sem mentir.
Faço o que é preciso em cada vez,
Faço o que me pedem sem pedir.
O que me dá mais Alegria e mais Calor
É trabalhar com mulheres e com crianças.
Gosto de sentir-lhes a cabeça no regaço,
que procurem sempre o meu Abraço,
E encho esse abraço de esperanças.
Gosto de ajudar as mulheres em seu labor.
Porque a Mulher Africana é heroína
Desde que o sol se levanta, de manhã.
São os seus ombros, ainda que menina
Que carregam as sementes do Amanhã.
A Mulher Angolana, se eu mandasse,
Teria uma estátua em cada rua.
Gosto de ajudar as mulheres em seu labor.
Porque a Mulher Africana é heroína
Desde que o sol se levanta, de manhã.
São os seus ombros, ainda que menina
Que carregam as sementes do Amanhã.
A Mulher Angolana, se eu mandasse,
Teria uma estátua em cada rua.
Subscrever:
Mensagens (Atom)