segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Lembranças do Passado

Creio já ter contado neste espaço que o meu Pai comprava livros velhos a peso para usar como papel de embrulho. Isto nos idos dos anos 50 do século passado. Foi essa circunstância que me permitiu, até aos 11 anos, ter lido "Nossa Senhora de Paris", "Os Miseráveis", "A Cabana do Pai Tomás", "O Caçador de Veados", toda a obra de Charles Dickens, etc., além de muitos autores portugueses Até porque também vinham no lote muitas revistas e, por causa dos hóspedes, o meu Pai comprava "A Província de Angola" aos Domingos. Ali li e vi desenhos e poemas de Neves e Sousa e os romances em folhetim de Reis Ventura.
Um dos livros que me apareceu, teria eu uns 9 anos, era de capa dura, onde estava escrito o nome do autor - Camilo Castelo Branco - e o que me parecia ser o título da obra e que eu lia "O Brás". Lá dentro, contudo, não havia Brás nenhum e só alguns anos mais tarde é que confirmei que O Brás era, pura e simplesmente, "OBRAS"...
O romance chamava-se, de facto, "O Bem e o Mal" e é uma das minhas obras preferidas de Camilo. Nela se conta um episódio de um padre jovem ter sido desviado da sua paróquia, onde era amado pela sua bondade, graças ao ofícios do seu padrinho, um fidalgo que se tinha zangado com ele. Recomendo a leitura, mas agora vamos ao que interessa.
O fidalgo em breve caiu em si e o padre foi enviado de volta aos seus paroquianos, que quiseram festejar o regresso com farto jantar, música e foguetório. Com muita diplomacia, o Padre conseguiu chamar a si a administração dos donativos para a festa e, no Domingo aprazado, andava o povo todo desconfiado: não se ouvia banda nenhuma, não tinha havido toque de alvorada e da chaminé da casa do Padre vinha fumo com bom gosto mas não cheirava a carne assada.
Começa a Missa e no fim da homilia o Padre começa a chamar um a um os mais pobres da paróquia, a quem entrega roupas quentes e cobertores para o inverno que se aproximava. Quando os membros da Fábrica da Igreja (era assim que se chamava) começaram a murmurar, disse ele:
- Amigos, estais todos convidados para uma boa malga de sopa rica para depois da Missa.
- E a música? perguntou um.
- Pois não a ouvis? Não ouvis como os anjos tocam para nos alegrar?
- Senhor Prior, mas os foguetes? Ao menos, diga-nos onde estão os foguetes! pediu, mais outro.
- Então não vistes os foguetes? E foram de lágrimas, lançados aqui pelos nossos irmãos.
Pronto, quem quiser saber por que foi o Padre afastado e o que aconteceu ao resto da festa, leia o livro.
Tenho-me lembrado muito desta cena ultimamente e mais ainda quando soube de um facto real que aconteceu há pouco: um português nascido em Moçambique e que veio para Portugal em 1974 resolveu há pouco tempo ir visitar a sua cidade natal. Procurou amigos do Liceu e encontrou bastantes. Feliz com o reencontro, resolveu promover um grande jantar de confraternização no melhor restaurante da cidade, para o qual convidou todos os antigos condiscípulos.
Quando, a pé, em grupos, se encaminhavam para o restaurante, o anfitrião verificou que havia poucos sinais de regozijo. em contraste com a forma entusiasmada com que o tinham recebido. Achou estranho, tão estranho que não descansou enquanto não conseguiu que um deles lhe confessasse:
- Sabes, pá, o caso é que vais gastar uma quantidade de dinheiro com este jantar e depois, daí a duas ou três horas, o que resta do jantar? Nada, pá. Por outro lado, todos nós devemos dinheiro. Todos temos problemas. Custa-nos pensar que o dinheiro que vais pagar pelo jantar dava para liquidar as nossas contas.
Pronto, não conto mais. Dão-se alvíssaras a quem adivinhar como terminou a história... Verdadeira, garanto.
Porque me lembro destas histórias agora? Ora, tem tiver olhos para ler, entenda. E sei que há muitos olhos que sabem ler.
Para o caso de me faltar a inspiração, para todos os meus Amigos, os meus Irmãos, BOAS FESTAS!