segunda-feira, 9 de junho de 2008

Para o Diogo Oliveira e Carlos Sousa e toda a gente

Meus Queridos, em toda a parte, com toda a gente, há momentos menos bons. É assim mesmo, a Vida. Mas sabem que já aquilo que, no momento, nos parece menos bom, afinal, até se torna em algo que nos vai fazer bem?
Olhem, eu fico muito zangada, pior do que estragada, quando descubro pessoas que dizem que ajudam e fazem da ajuda uma profissão. Às vezes, as pessoas que ajudamos parecem ingratas, mas eu tento pôr-me no lugar delas: coitadas, precisam, e isso deve ser difícil de suportar. Elas estão no seu direito de perguntar:"por que é que eu preciso e tu não? Porque é que tu tens e eu não?" e eu costumo pensar assim:"Meu Deus, por que escolheste esta pessoa para passar por esta situação e me poupaste a mim?" e vejo que, só por um acaso (se é que há acasos, eu acho que não há...) é que eu não sou essa pessoa e essa pessoa não é eu.
Não sei se vocês gostam de ler, se acham que algumas histórias são piegas, ou que são só para meninas, mas eu peço-vos: se tiverem oportunidade leiam um livro juvenil chamado "A Princesinha".
Para terminar, quero dizer que aceito com muito gosto ir visitar-vos à Escola. Levarei muitas fotos e histórias mas aviso já que eu sou uma pessoa muito igual às outras! Não tenho nada de especial, sou uma avó e pronto. E gosto de ler, de conversar, de contar histórias, de fazer bolinhos, coisas assim de que todas as avós gostam.
Depois não digam que não vos avisei! Não tenho nenhuma auréola nem nada...
Beijinhos, meus Amores, e tenham umas boas FÉRIAS!

Para o Carlos do 5º E e para o Pestinha

Carlos, eu não tenho um coração grande nem faço coisas que as outras pessoas não fazem. Nem penses nisso! Há muita gente a ajudar, em silêncio, sem deitar foguetes. Aí, em Porugal, se calhar em tua casa. E fazer bem també é um bocado egoismo, porque nós sentimo-nos tão bem, tão felizes. Já te aconteceu, com certeza.
E quando o Pestinha me pergunta se eu estaria disposta a fazer o mesmo em Portugal, eu tenho que dizer que comecei precisamente aí em Portugal.

Infelizmente, as pessoas que eu quis ajudar, porque sei que precisavam, não aceitaram muito bem. Porquê? Porque me conheciam, porque tinham vergonha, por muitas razões. Outras pessoas vinham pedir ajuda e depois eu descobria que não precisavam dela. Eram "pedintes oficiais". Pergunta ao Professor Raul o que isso quer dizer...

Mas olha, houve muitas coisas que fiz aí e vou continuar a fazer enquanto puder: dar catequese, coordenar grupos de adultos que se juntam para reflectir em conjunto sobre a Fé, ir contar histórias às escolas primárias, etc. Que achas? Também um dia me meti a tentar fazer no largo do Marquês, no Porto, que, no Verão, aos fins de semana, houvesse animação, como eu e os meus netos vimos em Londres, há dois anos. Mas a Câmara não me deu troco... Não penses que vou desistir. Está em banho-maria. Porque há muitos velhotes que se haviam de divertir muito ali no Jardim. que assim só serve para jogarem as cartas.
Estão respondidas as perguntas? Espero que sim. Beijinhos

Para a Ana Gomes do 5º C e para o Ivo, do 6º A

Ana, eu tenho saudades, como toda a gente. Eu gosto muito dos meus Filhos e Netos. Às vezes, nós, os grandes, gostamos tanto, tanto, tanto, e não sabemos dizer. Temos que fazer qualquer coisa para mostrar que amamos. Dizemos "Amor" a fazer, em vez de ser a falar. Por exemplo, eu sei que o meu filho mais velho gosta muito de caril. Quando sei que ele está para ir lá a casa, faço caril. E havias de ver como fico feliz por ouvi-lo a subir as escadas e a dizer: "Ah, caril, que bom, que cheirinho!" E outras coisas assim. Mas as saudades são doces, sabes? É bom ter saudades, porque só temos saudades de coisas boas. Então, eu gosto de ter saudades deles, de falar com eles, de mandar e-mails, coisas assim. E depois quando chegamos "matamos" as saudades todas. Depois levo saudades dos meninos, dos senhores e das senhoras de Angola e Moçambique. Tenho uma família muito grandeeeeeeee! E de muitas cores! É tão bom! Um dia vais sentir isso, verás.

Desculpem não pôr fotos, mas estou com um problema qualquer ou não sei mesmo. Há muita coisa que nós não sabemos, mesmo assim os grandes...

Ivo, as crianças são sempre crianças, sempre: gostam de jogar a bola, fazem uns piões como eu nunca vi em mais lado nenhum, jogam às escondidas, fazem bonecos de restos de pano, fazem carrinhos com caricas das garrafas.
Fica a saber que agora já se vêem muitas crianças com brinquedos como os teus, mas ainda há muitas crianças que não são crianças: não brincam, não andam na escola, fazem tudo para ter de comer. Não têm pais ou não sabem deles, dormem na rua, eu tenho muita pena delas. Mas há muita gente a fazer um esforço para que as crianças tenham cada vez o seu tempo de brincar. Em vez de acarretar água à cabeça, de andar a vender qualquer coisa, de andar até a roubar para comer. Um dia vi um menino a tremer. E estava muito calor. Não percebi e julguei que ele estava com malária, porque dá uns arrepios terríveis, eu já tive, várias vezes. Mas sabes o que era, Ivo? Era fome. E demos-lhe um pão de bico grande, quase um cacete. Nunca me vou esquecer de o ver a comer, devagarinho, devagarinho, apesar da fome, para não vomitar. E sabes uma coisa? Tenho a certeza de que, se lhe apontassem uma arma, ele não daria aquele pão! São estas coisas que me fazem ficar com vontade de vir, e de ajudar sempre que puder. Um dia vou ficar muito velhinha e depois, olha, espero que alguém também me ajude a mim. Beijinhos para vocês, sim? da Avó Pirueta, claro...

Resposta para os meninos do 5º C do Professor Raul

Olá, meus Amores! Sabem que eu sempre tive a mania de chamar aos alunos "Meus Amores"? E, que eu saiba, nunca ninguém se zangou. Eu tive, durante muitoooooos anos alunos adultos e tinha que ter cuidado para não lhes chamar "meus Amores" também... Não seria lá muito apropriado, pois não?
Então por que me chamo Avó Pirueta? É muito simples: eu tenho uma filha, a Joaninha (já é uma senhora, é Bióloga, vive em Penamacor) que adora gatos, cães, todos os animais. E quando ela fez anos, ainda pequenina, demos-lhe uma gata Siamesa a que chamámos Sinhá. Em memória da Andorinha Sinhá, que se apaixonou por uma gato Malhado, conforme conta Jorge Amado num livro lindíssimo que vocês devem tentar ler.
Mas a Sinhá durou os anos que tinha que viver e um dia morreu. Ficámos muito tristes. Todos nós e a Joaninha mais do que ninguém. Ela tem uma Amiga que faz anos em Abril e como lhe tinha morrido o gato dela, chamado Óscar, a Joaninha ofereceu-lhe uma gatinha com dois meses. Outra Siamesa. Mas ela acabou, por razões que não interessa agora explicar, por voltar para casa e foi para a minha casa, pois eu estava a recuperar de uma operação. Ela passava a vida a brincar comigo, e ron-ron-ron, cheia de mimo, a fazer piruetas. Chamei-lhe Pirueta. Depois, os meus netos, quando eram assim ainda um pouco mais pequenos do que vocês, quando me iam visitar, começaram a chamar-me Avó Pirueta. E eu sempre pensei que era o nome mais lindo que me poderiam chamar. Foi assim. Muito simples. A Pirueta também já morreu, velhinha. Ela e a Sinhá foram enterradas no nosso jardim e depois plantámos duas roseiras brancas lá. Estão lindas, lindas, embora o melhor sítio para enterrar um animal de que gostemos seja no coração do dono... Um beijinho para os meninos do 5º C! Boas férias e lembrem-se que há outros meninos menos felizes do que vocês, sim?

Sem palavras... Mas fazem favor de ver o poste anterior...




































Aqui, quase ao tocar da mãe, graças à paciência infinita e a capacidade de ensinar do Eng. Jorge Malheiro

Explicação Imprescindível

Sinto que preciso de dizer algumas palavras, essenciais e imprescindíveis, para todos os que lêem o meu blogue e que, a pouco e pouco, deixaram de ser meus leitores e se transformaram em Amigos. E o que preciso de vos dizer é isto:
Amigos, eu sou eu e não quero ser aquilo que escrevem sobre mim. Tenho que vos explicar, por que me sinto embaraçada, por que sinto um certo pudor ao ver a minha vida apresentarem como se fosse algo de transcendente.
Não desejo isso, não quero nem posso ser exemplo para ninguém. Tenho muitos defeitos e houve também muitos erros na minha vida. Ser Pessoa, julgo eu, é ser assim. Não sou santa nenhuma: sou impaciente para com os lentos, por exemplo. Nem sequer tenho a certeza de ter sido uma boa Mãe, eu que sempre quis ter Filhos e que me orgulho deles até à medula. Gostaria de ter sido mais discreta em muitos momentos da minha vida. Nem se fui boa esposa de um Marido perfeito.


Tive uma vida difícil? Sim, os meus pais eram muito pobres e tiveram uma vida muito dura. Costumo sempre ter o cuidado de dizer que não eram maus: eram pobres. Mas eu devo ter tido um Anjo da Guarda especial, porque estava sempre ali, a segredar-me aos ouvidos o que deveria dizer para obter o que queria, nem que fossem uma mentirinhas…
Sou perseverante, é verdade, mas isso é mais teimosia do que outra coisa. E depois aquelas leituras na meninice (inexistente) mostraram muitos lugares, pessoas, situações, que eu queria conhecer. E não seria no musseque, casada aí com uns 16 ou 17 anos (“este clima puxa muito por elas, quanto mais depressa casarem, melhor”… era o raciocínio reinante), com o primeiro pretendente que desse jeito à economia familiar que eu iria descobrir o mundo. Teimosa, teimosa, venci o meu pai pelo cansaço.
Depois, Deus começou a interferir directamente. Teve pena de mim e no dia 15 de Abril de 1958 tive um grave acidente de viação. Muito grave. Podem pôr gravidade à vontade… Tornei-me quase a mascote do Hospital Maria Pia, aqui em Luanda. Chorei quando fui para casa.
Por causa desse acidente tive que ir a Portugal, em 1960 e conheci o meu Marido, no dia 29 de Abril desse ano, às 18.50h, no alto de uma serra, onde parava a camioneta que me trazia de Coimbra. Foi Amor à primeira vista. Andava no antigo 5º ano e tinha 18 anos. Voltei para Angola, fiz o 6º e 7º, acabei no dia 19 de Agosto de 1962. Continuei a trabalhar em casa, isto é, na loja, porque a loja e a casa interpenetravam-se. No dia 9 de Janeiro de 1962 o meu Marido chegou a Angola. Mexi-me para ele ir, mexi-me para lhe arranjar emprego, eu própria fui trabalhar como dactilógrafa no Tribunal de Relação de Luanda, entre 20 de Agosto de 1962 e 28 de Fevereiro de 1963, (ganhava 2400$00), casámos no dia 7 de Março de 2003, uma quinta-feira. Ele não compareceu. Tinha ficado enterrado com um jipe do estado nos cafunduns de Judas mas conseguiu avisar. E eu consegui convencer o padre Luigi a casar-me com o meu pai. Éramos meia dúzia de Amigas. Dos de até hoje.

Depois, ele, o meu Marido, deixou-me abrir, incentivou-me, lisonjeou-me, criou todas as condições para eu florescer. Sempre. Sempre. Sempre. Trabalhei muito, mesmo muito. Não sei se fiz bem. Tinha medo, porque tinha três filhos e havia uma nuvem por cima da nossa cabeça como casal sob a forma de uma doença degenerativa da espinal medula. Esses medos estiveram sempre connosco, nunca os partilhámos com ninguém, praticamente.
Volto a acusar-me de ter trabalhado demais, fora de casa. Aquela infância trabalhosa tinha-se tornado um vício e eu fazia muitas coisas. Julgo (mas a julgar já morreu um jumento…) que, por orgulho, fazia demais para ninguém me acusar de falhar nuns lados para brilhar nos outros. Afirmo-o, pois as testemunhas estão vivos. Tenho um imenso orgulho de ter sido Professora, amada, estimada. Também tenho as testemunhas e os testemunhos. Mas, por favor, nada disto era mais do que a minha estrita obrigação. Só lhe punha Amor, mais nada.

Vamos agora ao voluntariado: fazer voluntariado é uma graça que Deus me deu para preencher o vazio do coração. Só. Não tem valor nenhum se for anunciado com trombetas. Ele gratifica por si. Já chorei muitas vezes de alegria, de comoção, pelo que o voluntariado me deu. Especialmente em Moçambique, onde todos são tão pobres e dóceis. Onde há uma beleza tão interior na maior parte das pessoas. E a paisagem! Ver os montes do Gurué, na terra do chá, as ilhas, as praias, o Tofo, o Tofinho. Quando me desloco por ar (só se tiver que ser, porque além de me ficar caro, me rouba a possibilidade de convívio) e vejo a costa do Índico dou por mim a rezar: “Senhor, guarda estas praias. Preserva-as da ganância e do mau gosto! Por favor”.

Agora vou menos vezes a Moçambique porque venho sempre de lá com o coração destroçado de saudade. Começo a sofrer uma semana antes de partir. E depois é uma auto-recriminação que pode durar mais duas ou três semanas. Receita médica: ajuda e ajuda-te, não vás!
Não faço nada que mereça esta “publicidade” do Raul e da Teresa. Fico encabulada. Porque eu quero apenas ser feliz. E agora só posso ser feliz assim. O meu coração não está morto para o outro tipo de Amor. Mas é este que, agora, me pode dar a paz, a felicidade. Não é para publicitar! Aliás, a publicidade só tem utilidade se vender a ideia. Há por aí muita gente infeliz, porque desocupada. Tome conta de alguém. Ou de algo. Tome conta de um Jardim da Cidade. Chateie o vereador, vivifique o jardim. Faça com que haja lá música ao sábado e ao domingo à tarde. Faça uma venda de velharias para um fim qualquer que seja útil e necessário. Finte a ASAE e promova a venda de bolos caseiros e de biscoitos.
Seja Avó de alguém que não tem Avó ou Avô. Conte histórias. Arranje um namorado só porque ele está só. Vão ao cinema e vejam o filme de mão dada no escurinho. Tudo isto é voluntariado. E não é nada demais.

A minha vida não é nada demais, repito. Não sou nenhuma heroína, nem pouco mais ou menos. Só tenho duas qualidades: um grande sentido de justiça e um grande Amor pelas Pessoas. E, acreditem, sou só eu, a Avó Pirueta…. Coitadinha, pobrezinha, com um pé partido e muita vontade de se mexer…
Mas OBRIGADA pela Intenção!