quarta-feira, 25 de junho de 2008

Uma outra tradução

"If", o famoso "If" de Kipling, símbolo de uma época histórica, de uma Inglaterra imperial, muitas vezes criticado e outras tantas louvado (gosto imenso dos seus livros para crianças, que recomendo, há boas traduções), tem sido alvo de muitas traduções.
António Botto, Poeta infeliz que, para viver sem hipocrisias sofreu horrores, também o traduziu. Aqui vai ele, para corresponder especialmente ao pedido da Teresa de Longe.
Se tu podes impor a calma, quando aqueles
Que estão ao pé de ti a perdem censurando
A tua teimosia nobre de a manter.
Se sabes aguardar sem ruga e sem cansaço,
Privar com Reis continuando simples,
E na calúnia, não recorrer à infâmia
Para com arma igual e em fúria responder.
- Mas não aparentar bondade em demasia
Nem presumir de sábio ou pretender
Manifestar excesso de ousadia.
Se o Sonho não fizer de ti um escravo
E a luz do pensamento não andar
Contigo num domínio exagerado.
Se encaras o triunfo ou a derrota
Serenamente, firme, e reforçado
Na coragem que é necessário ter
Para ver a verdade atraiçoada,
Caluniada, espezinhada e ainda
Os nossos ideais por terra, mas erguê-los
De novo em mais profundos alicerces
E proclamar com alma essa verdade!,
Se perdes tudo quanto amealhaste
E voltas ao princípio sem um ai,
Um lamento, uma lágrima e sorrindo,
Te debruçares sobre o coração
Unindo outras reservas à vontade
Que quer continuar, e prosseguindo,
Chegar ao Infinito da Razão,
Se a multidão te ouvir entusiasmada,
E a Virtude ficar no seu lugar,
Se Amigos e Inimigos não conseguem
Ofender-te e se quantos te procuram
Para contar com o teu esforço não contarem
Uns mais do que outros, - olha-os por igual!,


Se podes preencher esse minuto,
Com sessenta segundos de existência
No caminho da Vida percorrido,
Embora essa existência seja dura,
À força das tormentas que a consomem,
Bendita a tua essência, a tua origem,
o mundo será teu,
e tu serás um Homem!

(versão de António Botto do poema de Kipling)

Piruetas de Avó

O Céu e o Inferno

Hoje, deu-me para isto. Não deve ter sido por acaso, porque não acredito em acasos. E se houver algum problema, a responsabilidade é minha porque o texto é uma tradução que fiz do conto ou fábula ou seja lá o que for que saíu numa edição do Reader em Inglês.

O velho pároco, sentindo-se a morrer, compôs as roupas à volta do peito e começou a pensar, mais uma vez, com uma certa preocupação, no Céu e no Inferno. Como seriam? Ele tinha passado uma grande parte dos seus 84 anos a falar Paraíso, Inferno, modos de verdo assunto, mas agora o problema parecia-lhe cada vez mais urgente e cada vez lhe parecia saber menos.
Na penumbra do quarto, viu aproximar-se dois vultos. Conheceu-os logo: Moisés, alto, musculoso, e Pedro, o Pescador. Fizeram-lhe um sinal de cabeça e ele levantou-se imediatamente e seguiu-os, passando, sem se espantar, através da parede do quarto.
Em silêncio, conduziram-no através das galáxias. Num local longínquo, pararam em frente a uma grande casa e Pedro explicou: “ O reino de Deus é composto de várias mansões. E o mesmo acontece com o Inferno. Vamos mostrar-te a primeira sala do palácio de Satanás.”
À medida que ia entrando, o velho padre começou a ouvir uma babel de lamentos e gritos. Depois, na sala, reparou que estavam muitas pessoas sentadas a uma grande mesa, e, ao centro, uma enorme travessa do prato preferido do padre. Embora todos os presentes tivessem um enorme garfo que podia chegar à comida, eles gritavam de fome e gemiam por ver a comida tão perto sem a poderem comer. De facto, os garfos que estavam presos às suas mãos eram de um tal tamanho que eles não os conseguiam virar em direcção à boca para aí introduzir o alimento e gemiam dolorosamente. Os seus lamentos eram de tal ordem que o padre pediu que o levassem dali para fora.
Pedro e Moisés levaram-no então para outro lugar longínquo e pararam em frente a uma casa em tudo parecida com a anterior. Convidaram-no a entrar para a ante-sala do Paraíso e ele viu uma mesa igual, com a mesma riqueza de comida e com os convivas sentados, de um lado e do outro, com os mesmos grandes garfos presos às suas mãos. No entanto, ninguém se queixava. Todos tinham um ar satisfeito e saciado. Porque cada um deles utilizava o seu garfo para alimentar o convidado que estava em frente…

Jim Bishop, King Features, in Readers Digest