De acordo com o Novo Testamento, pelo menos, antigamente havia o bonito gesto de se chamarem os vizinhos para partilharem as alegrias. Lembremo-nos, por exemplo, da parábola do pastor que perdeu a ovelha e a foi procurar e depois chamou os vizinhos e da mulher que se alegrou e quis partilhar a sua alegria por encontrar a moeda que tinha perdido.
Pois alegrai-vos comigo: encontrei um poema que procurava há uns 50 (cinquenta!) anos. Ouvi-o uma vez só, declamado por uma brasileira fantástica, aqui no antigo cine-teatro Nacional, hoje "Clube Chá de Caxinde", quase o fixei de cor, mas nunca mais tive o vi. Hoje, abriram-se algumas comportas da memória, umas sinapses levaram a outras, e aqui está ele. É longo, talvez, mas para mim é belíssimo. Alegrai-vos comigo, pois encontrei o meu poema:
Poema da Maternidade
Pode lá ser! Não quero, não consinto!
Tudo em mim se revolta: a carne, o instinto,
A minha mocidade, o meu amor,
A minha vida em flor!
É mentira! É mentira!
Se o meu filho respira,
Se o meu corpo consente,
Covardemente,
A minh'alma não quer!
Eu não quero ser mãe! Basta-me ser mulher!
Basta-me ser feliz!
E o meu instinto diz:
"Acabou-se! Acabou-se!
Agora renuncia:
Começa a tua noite: acabou-se o teu dia!
Tens vinte anos? Embora! A tua mocidade
Perdeu chama e calor, perdeu a própria idade.
Resigna-te. És mulher! Foi Deus que assim o quis.
Já foste flor: agora é só raiz." —
Não pode ser! É injusta a minha sorte!
Não quero dar vida a quem me traz a morte!
O meu destino há de ter outro brilho!
Vida, quero viver! E morro, morro...
Filho!
Pode lá ser, Jesus! Eu não mereço tanto!
Filho da minha dor, eu já não choro — canto!
Filho que Deus me deu! Por quê, Senhor,
Há só uma palavra: Amor, Amor, Amor?!
"Dai-me outra voz que nunca tenha dito
Coisas más, coisas vis... e que saiba a infinito...
Dai-me outro coração, mais puro, mais profundo,
Que o meu já se quebrou de encontro ao mundo...
Dai-me outro olhar que nunca tenha olhado,
Que não tenha presente nem passado...
Dai-me outras mãos, que as minhas já tocaram
A vida e a morte... o bem e o mal... e já pecaram...
Filho, por que seria? Ao vires para mim
Mudaste num jardim
Os espinhos da minha carne triste...
E como conseguiste
Dar uma cor de sol às horas mais sombrias?
Meu menino, dorme, dorme,
E deixa-me cantar
Para afastar
A vida, um papão enorme...
Meu menino, dorme, dorme...
Vamos agora brincar...
Que brinquedo, meu menino?
O mar, o céu, esta rua?
já te dei o meu destino,
Posso bem dar-te a Lua.
Toma agora o mar sem fundo...
Ainda achas pouco? Deixá-lo!
Mas por que não vens brincar?
Por que preferes chorar?
Jesus! Que tem o meu filho?
Que vida estranha no brilho
Do seu olhar?
Uma vida inquieta e obscura
Anda a queimar-lhe a frescura ...
Ainda hoje, meu filho, não sorriste
E o teu olhar é triste...
Cheiras a noite, a luto, a azebre ...
Senhor! O meu filho tem febre!
O seu hálito queima, o seu olhar escalda...
Ele que tinha um olhar de estrela ou de esmeralda
E um perfume de flor,
Agora tem na boca um amargo sabor
E cheira a noite, a luto, a azebre...
Senhor! O meu filho tem febre!
Tirai-me dos olhos toda a luz!
Livrai-me da blasfêmia... Deus! Jesus!
Pois se o meu filho morre, se agoniza,
Por que há flores no chão que ele não pisa?
Se num coval o hei de pôr, de rastros,
Por que estarão tão altos os astros?
Senhor, eu sou culpada. . .
Eu sei o que é o pecado
Mas ele, meu Jesus, ainda não tem passado...
Para mim, não há mal que não aceite,
Mas ele, ainda tão perto do teu céu!
A sua vida era beber-me leite...
No olhar com que me olhava tinha um véu
De neblinas, de névoas de outras vidas...
As vezes, tinha as pálpebras descidas
E punha-se a chorar no meu regaço
Com saudades, talvez, do céu, do espaço...
O meu filho tem febre!
Por que andam a cantar pelos caminhos?
Por que há berços e ninhos?
Vida! O meu filho era belo,
O meu filho era forte!
Vida, que mãe és tu? Defende-me da morte!
Vida! Vida! Vida!
Louvado seja Deus! A morte foi-se embora!
Já não tens febre agora!
Louvado seja Deus! O meu menino vive,
Este menino, o meu, que só eu tive!
E pude blasfemar!
E o meu menino chora, e eu posso já cantar!
E o meu menino canta e eu posso já chorar!
O meu menino vive e toda a vida canta,
Toda a terra é uma fresca e sonora garganta!
Que toda a gente o saiba e toda a terra o veja!
Louvado seja Deus!
Louvado seja!
Fernanda de Castro
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6 comentários:
só consigo insináre
a fazêre ovo streláde
ca méte da fregedêra
e fica lógue fritáde
ó nhávó pirueta
ca nha maria tá no áre
pa fazêre a deliça
cacabô de ma mandáre
cábóbora agente tém
munta lá do quintále
cus outeros inguerdientes
agente ca compra na fáz mále
na lárgo o mô tintol
áugardente na á
peço aqui ó vezinho
ca dezinrásca par já
ai ca déve sêre tão bom
êste dôce dos ferasquinhes
encanto a nha maria fáz
vô pruvando uns cadinhes
e o mô sônhe é a nha maria
cagente tém munte amôre
todos dias dá miminhes
cá vida dá máis sabôre.
um abrace munte do apêrto do corassão acim grande comó sóle.
Cumpadre Besberto, você surprende, cada vez estou contente por o termos encontrado e trazido para a nossa "tribo". Você é um homem feliz e faz os outros felizes. E esta poesia ao estilo popular do bom aleixo está com uma musicalidade termenda.
Um abraço!
.
Avó Carmo, mais uma partilha comovente e alegro-me consigo por trazer à luz do dia, pelo menos para mim, este lindo poema. Força de vida. E esta experiência a Avó Carmo deva vivê-la muitas vezes com "filhos" e "netos" que vai "herdando", sobretudo por terras da mãe África. Ou será o retrato, essa mulher, da mãe África? Muitas interpretações.
Um dia vou ouvi-la ler este poema ao vivo.
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E o meu menino chora, e eu posso já cantar!
E o meu menino canta e eu posso já chorar!
O meu menino vive e toda a vida canta,
Toda a terra é uma fresca e sonora garganta!
Que toda a gente o saiba e toda a terra o veja!
Louvado seja Deus!
Louvado seja!
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Louvado seja Deus pelos amigos que vão surgindo na nossa vida.
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Saudações tribais!
Cumpadre Besberto, ainda lhe digo mais uma: se pusar umas duas colheradas de coce numa tacinha e partir para lá duas nozes, depois de descascadas, claro, olhe, é de um cego voltar a ver e de um mudo falar para pedir mais! O meu Marido que Deus lá tenha em sua Santa Companhia (tem que ter, porque ele aturou-me durante 40 anos, com muita paciência e amor) lambia-se por doce de abóbora com nozes. Sendo que, cumpadre, abóboras e nozes eram mesmo da nossa lavra. Que nós temos ali umas territas no concelho de Condeixa-a-Nova (porque tamém há a Velha e Condeixinha) e qando chega o tempo da fruta, bendito seja Deus, as árvores, coitadinhas, até se arrojam co peso. Vocemecê mais a cumadre Maria haviam de lá ir comer uns figos de várias calidades, debaixo das figueras mesmo, com boroa que eu faço no forno de lenha e uma pinga de Colares ou de Favaios. Qu'isto de vinhos foi ele que m'ensinou. Bem, qalquer dia mando-lhe uma receita de licor de folha de figuera qu'e de cair pro lado. Sim, se se buer demais, claro. Um abraço para vocemecês, de todo o coração. Á canos que ninguém me mandava um poema! Coisa fina, sim senhores! Abraço da Avó. São dois pelo preço dum só...
Raul, só ouvi este poema uma vez e nunca o esqueci. Terei muito gosto em o ler com sentimento, para ti e para a Émy. Abraço da Avó Pirueta. Já devolvi a encomenda
Querida Carmo:
Nao me agradeca a mim a música do Edward Grieg, mas sim ao ccz.
Ele po-la no blogue dele já há algum tempo, e como ele nao conhece o meu blogue secreto ...
Eu copio muitas coisas dele, e o desenho animado que ele ontem tinha, também já lhe deitei uma olhadela.
A propósito de roubar os blogues dos outros descaradamente: posso por este poema no meu blogue no dia 28 de Junho? Foi no dia que fui pela primeira vez mae.
O meu @endereco está certo. Nao sei o que está a acontecer, pois os meus @mails para si, também sao devolvidos.
Hoje, os meus blogues estao cheios de futubol, mas amanha ja nao.
Esperemos que Portugal ganhe à Turquia.
Saudacoes futubolistas de D´dorf.
Teresa, somos as duas Avós, que é isso da 3ª pessoa do singular? É claro que podes. Podes sempre usar algo que esteja assinado por mim. Fica decretado, sim? Vai ao teu secreto, que deixei lá um recado para ti. Beijos, Avó Pirueta
Carmo, o poema é lindo, fascinante, comovente... não sei que mais, porque há muito que não me comovia tanto com uma poesia... tirando as SLETRAS dos meus poemas favoritos da Isabel e do pai que conseguem sempre pôr-me um brilhozinho no canto do olho.
Um abracinho de filha a precisar também de um colinho :)
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