A Oportunidade Perdida
Decidi, pois, contar-lhes a história e histórias de Portugal. Falei-lhes das nossas descobertas (porque todos, entretanto, ou atiravam uma acha para a fogueira ou davam mais uma deixa). De como Portugal tinha sido rico e importante no século XVI. Disse-lhes que o reino quase se despovoara com o desejo de enriquecer depressa (não quis empregar a palavra ganância), que os emigrantes regressavam ricos mas não investiam a sua fortuna para a multiplicar, desbaratando-a em luxos, escravos, aparências.
Contei-lhes que D. Manuel tinha mandado um presente tão magnificente ao Papa, que era apreciado como um espectáculo por todos os caminhos da Europa por onde passava até chegar a Roma. Contei-lhes das riquezas do Brasil, representadas pelo ouro, prata e pedras preciosas e como, também dessa vez (e até praticamente aos princípios do século XX) os portugueses tinham ido atrás da riqueza para, chegando a Portugal, alguns, mesmo analfabetos, comprarem títulos de nobreza, o que servia para remediar o défice nacional que já era crónico. Disse-lhes que sabia de casos de “brasileiros” que tinham delapidado fortunas construindo casas apalaçadas por Trás-os-Montes além e julgando que ser rico e fidalgo era isso e ter almoços de cinco e seis pratos. Muitas vezes, enriqueciam os seus caseiros e administradores das quintas que compravam à nobreza falida, porque os proprietários não trabalhavam nem sequer para vigiar e acautelar o que era seu.
Tinham sido oportunidades perdidas, assim como o continuava a ser a dos emigrantes de então (décadas de 60 e 70) que punham como meta das suas esperanças e trabalhos uma casa “à francesa”, um carro e muita festa nas romarias e feiras. Nada de investir numa agricultura moderna, nada de fazer indústria, nada de dar um curso de engenheiro aos filhos, porque era muito cansativo e era mais fino ser advogado. Disse-lhes ainda que, de facto, como dizia a avó dele, ninguém tinha toda a razão e todos tinham alguma mas que, na minha opinião, também achava mal que se tivessem colocado os regressados das antigas colónias nos hotéis.
E expliquei porquê: naquela altura, Portugal recebeu rios de dinheiro, de países tradicionalmente generosos, para resolver a situação angustiosa em que tantos milhares de portugueses se encontravam. Se, em vez de colocar esses portugueses nos hotéis, lhes tivessem dado uma determinada quantia, por família, e de acordo com o número dos seus membros, imaginassem eles, alunos, como esses deslocados poderiam ter funcionado como uma extraordinária alavanca para, de uma vez por todas, Portugal sair, finalmente, da cepa torta. Sentia-me segura a dizer o que disse e, a provar que tinha razão, vejam como quase todos esses nossos compatriotas souberam integrar-se e progredir, quase sempre a partir do nada, porque o que tinha vindo para eles estava a servir para pagar hospedagem. Ouviram-me calados, atentos, sem comentários e temi que, naquela altura, eles não tivessem percebido metade dos que lhes tinha acabado de dizer.
Até que, há cerca de seis anos, o tal rapaz, agora um homem, me viu no passeio oposto, atravessou a rua com um sorriso de orelha a orelha e depois dos cumprimentos da praxe, disparou: “Professora, e que me diz agora do que se faz e tem feito dos fundos europeus?”
E acrescentou: “Mais uma oportunidade perdida e julgo que esta é mesmo a última”. Senti orgulho por ter sido capaz, afinal, de lhe explicar o nosso fado. E senti-me comovida por, ao fim de mais de 20 anos, ele se ter lembrado da sua “velha professora de inglês”, porque também ele já estava desperto para as oportunidades de trabalhar e se doía de só encontrar desbarato, longe da sua compreensão. Nós, muitos de nós, não fazemos nem deixamos fazer.
E agora estamos para aqui sem “rei nem roque”, porque, na minha humilde opinião, os nossos governantes são pobres e mal agradecidos. Estão para aí a fazer que fazem, julgam que nós somos todos ceguinhos, ficam melindrados com as verdades e só falta voltarem a dizer “já não jogo mais”. E não se impressionam. São surdos, são cegos. E guardaram o tacto que têm para tactear as oportunidades.
Apetece-me exigir-lhes que façam uma análise SWOT a Portugal. Não achas necessário, Raul?
Bem, estou praticamente a acabar a “minha” História de África. Podem suspirar de alívio…
sábado, 7 de junho de 2008
Bob Geldof, África, Fome, Pobreza, Guerra, Corrupção... Parte 4,5
Etiquetas:
descolonização,
esperanças sem fundo,
oportunidades perdidas
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1 comentário:
Carmo, uma análise SWOT? Sem dúvida!
Era bom que nos concentrássemos nos nossos pontos fortes, reconhecessemos as nossas fraquesas e agarrássemos as oportunidades (infelizmente como a Carmo aqui tem vindo a referir parece que é nosso fado ser um país de oportunidades perdidas...) para nos "protegermos" das ameaças.
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É a história de dar o peixe ou ensinar a pescar. Era preferível a teoria da "alavanca" de que fala como ajuda e acreditando na capacidade empreendedora dos portugueses. É que infelizmente continuamos um país de subsídios para tudo. E o seu Ccz é um dos grandes críticos destas medidas subsidiárias ( e ainda esta semana ele voltou à carga sobre isto em "Roma vai arder" e "Roma já está a arder...", entre outros postes...)pois são os nossos impostos! Medidas subsidiárias (que não são alavanca) sem horizonte.
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E não "Há acasos!. Voltamos outra vez ao seu Ccz.
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Eu não vou suspirar de alívio. Agora é que estamos a chegar ao ponto de rebuçado. Dos "coscorões" e dos "sonhos"!
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Carpe diem! Saudações tribais.
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