No Público de ontem, fiquei muito preocupada depois de ler a página 8: toda ela era dedicada ao custo de um aluno chumbado! Que desperdício! E se o aluno chumba três anos e sai do sistema? Uma despesa sem retorno! Dramático! Afinal, o problema pode ser evitado: basta a identificação precoce das dificuldades! A Finlândia já tem o remédio: "A Finlândia recorre a um conjunto de intervenções formais e informais para ajudar quem está a ficar para trás na Escola", dizem os peritos da OCDE, “e os chumbos são absolutamente residuias”.
Hoje, dia 1 de Maio, página 9, mesmo jornal, a nossa Ministra pede "trabalho precoce" às escolas. Pois claro, senhora Ministra, tem todo o meu apoio. Porque sei que a Senhora vai, imediatamente, talvez na próxima segunda-feira, implementar uma medida importante: vai, para começar e por ser um território mais conhecido, colocar umas boas dezenas de milhares de Professores desempregados para ajudar quem está a ficar para trás. Sim, porque o remédio só pode ser esse: não se pode ajudar quem está a ficar para trás sem deixar para trás os que vão em frente (repare que estou a ter cuidado com as preposições!). O combate tem que ser da Escola, diz V. Exa. E muito bem. Mas à Escola o que é da Escola. Os meninos e as meninas não nascem na Escola. Quando lá chegam trazem já uns anos de vida. Que, normalmente, fazem toda a diferença, sabe?
Que tal começarmos o combate muito antes? É difícil, mas poderíamos tentar imitar aquele ministro que, nos idos de 60 do século passado, dizia: "O difícil faz-se já. O impossível é que demora um pouco mais", isto citando de memória. Pois é, talvez tenhamos que começar o combate em casa. Como? Disem que as perguntas são sempre fáceis, as respostas é que são difíceis. Vejamos:
Com tempo para os filhos. Como?
Com comida no prato. Como?
Com o apreço pelo trabalho. Como?
Com exemplos de civismo. Como?
Com uma nova filosofia de ter e de ser. Como?
Senhora Ministra, não vou continuar. Seria, indelicadamente, estar a ensinar o Padre-Nosso ao vigário, mutatis mutandis. A Educação não tem preço. Tem Valor. A Senhora vai avaliar os Professores. Acho bem. Eles vão ter de fazer um exame de entrada. Não acho mal. Mas a avaliação mais precoce para ter em conta as dificuldades futuras seria através de um exame de entrada, também, dos Alunos, só para saber:
Quantos sabem o que é o carinho de um pequeno-almoço sentados a uma mesa.
Para saber quantos trouxeram um abraço ou um beijo.
Quantos sabem o que é serem queridos.
Quantos é que não trazem carimbo: "burro", "atrasado", "chato", para só falar dos mais comuns.
Quantos, antes e depois da Escola, têm que dar remédios a Avós, leite a irmãos mais pequenos, adiantar o jantar.
Quantos sabem sentar-se.
Quantos sabem que terão sempre vez e não precisam de a "roubar" a ninguém.
Quantos já viram o Pai ou a Mãe a baterem um no outro.
Quantos serviram de saco de areia para descarregar as frustrações dos pais.
Quantos têm jantar.
Quantos têm cama, com colchão e cobertor no Inverno.
Quantos só têm a Escola para se afirmar.
Senhora Ministra, nós não somos a Finlândia e nem sei de nenhuma instituição fidedigna que lhe tivesse passado um atestado válido de qualidade para irmos atrás. Nós somos nós, Portugueses, e as nossas crianças não vivem, a maior parte delas, os padrões e níveis de vida finlandeses, dizem-nos os jornais, as revistas, os estudos. As nossas crianças não vão ficar frustradas se reprovarem (lá disse eu a palavra proibida!). Não elas, só se alguém lhes inculcar essa ideia. Elas serão frustradas e infelizes se passarem sem saber, porque estarão sempre na cauda do pelotão. Se V. Exa. insiste em que façamos o trabalho precoce, siga o meu conselho. É a única coisa que é de graça, sabe? Não há, definitivamente, "almoços grátis".
Tenha um bom Dia do Trabalhador.
Maria do Carmo Cruz
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5 comentários:
Muito bem visto, Carmo. Que verdades tão claras em tons de cinzento. Até fiquei com um nó a entalar-me a garganta...
E eu também. Isto é que é colocar o dedo na ferida. Sem paninhos quentes! Ai, o que eu já gosto deste blogue!
Olá avó pirueta:
Menciona "Nao matem a cotovia" de Harper Lee nos seus livros preferidos. Como é um dos livros que mais me comoveu dos que até agora li, sinto que já temos alguma coisa em comum.
Nao sei se sabe que ela foi amiga de infancia do Truman Capote, e o miúdo vizinho dos dois irmaos protogonistas foi inspirado nele.
Saudacoes de Düsseldorf!
Olá Carmo, eu também sou professora. Esta é a minha primeira visita ao seu blogue. Parabéns, gosto muito dele. Em relação ao seu perfil, temos em comum as preferências pelo livro "Não matem a cotovia" e o filme "As pontes de Madison County" (o livro também é óptimo, já o reli várias vezes).Que pena a sr.ª ministra não ler este texto da Carmo e ficar assim a perceber um bocadinho do que é a realidade deste país em relação ao "paraíso" distante da mítica Finlândia.
Obrigada, Teresa, mas eu já estou habituada a que os ministros não leiam as minhas cartas, nem imagina quantas já lhes escrevi. Sabe, eu já ministrei um Seminário numa Universidade Sénior, com grande gosto e prazer, em que se fazia o estudo paralelo entre esses dois livros e os respectivos filmes. Foi uma coisa muito gira! Para mim, o filme das Pontes é melhor do que o livro. O filme, Na Sombra e no Silêncio, é uma maravilha em si, mas não pode, como filme, apresentar a densidade e a emoção do crescimento das crianças, das suas bizarrias. Sabe que Atticus Finch foi considerada a personagem cinematográfica mais humana do século XX?
Um beijo para si da Carmo
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