quarta-feira, 14 de maio de 2008

O que faço por aqui?

Pôr de sol Africano, num santuário de embondeiros


Depois de percorridos mil caminhos
Para chegar a mim,
Descobri que a rota mais directa
Era sair de mim.
Muitos me perguntaram, curiosos,
“África, porquê e em que nome?
Não vês perto de ti tantos desejosos
Tantos também com Fome?”
Lembrei-me então da parábola
Em que Jesus falou das migalhinhas
Que ao cair da mesa dos eleitos
Alimentavam as bocas pobrezinhas.
Procurei, pois, fazer algo no meu espaço
Procurei dar o meu Tempo, um Bem imperecível
Mas ninguém aceitou o meu regaço,
Nem precisou do meu ombro disponível.
Quem me procurou não precisava
E a quem me ofereci não aceitou.
E África a clamar, dentro de mim,
Mais uma vez, bem alto, me chamou,
Como uma Mãe a gritar pelo filho ausente.
Tive mesmo de lhe dizer “Presente”
E vim, e fui, e vim.
Que faço? perguntam
Sigo as regras que eu própria estabeleci:
Faço o que sei, onde for preciso,
Pois esse é o trabalho que escolhi.
Numa comunidade terrivelmente pobre,
Onde terei que ser pobre também.
Não posso nem quero ser diferente,
Eles são meus Filhos, eu sou Mãe.
Aprendo e ensino a fazer Pão
Com inesperados ingredientes;
Construímos o forno, em união,
Preparamos a terra e as sementes.
Descubro em cada dia uma nova oferta
Que o Senhor me traz sem a pedir
E procuro manter a alma aberta
Para aprender a melhor amar e a sentir.
Outras vezes, procuro humanizar
Tudo o que está associado à Dor
E sinto uma alegria singular
Por cada novo gesto de um velho Amor.
“Mas o que fazes? Perguntam outra vez
E outra vez respondo sem mentir.
Faço o que é preciso em cada vez,
Faço o que me pedem sem pedir.
O que me dá mais Alegria e mais Calor
É trabalhar com mulheres e com crianças.
Gosto de sentir-lhes a cabeça no regaço,
que procurem sempre o meu Abraço,
E encho esse abraço de esperanças.
Gosto de ajudar as mulheres em seu labor.
Porque a Mulher Africana é heroína
Desde que o sol se levanta, de manhã.
São os seus ombros, ainda que menina
Que carregam as sementes do Amanhã.
A Mulher Angolana, se eu mandasse,
Teria uma estátua em cada rua.

5 comentários:

Raul Martins disse...

"Faço o que sei, onde for preciso!"
Lema de vida!
E como já és uma mulher angolana, atrevia-me a dizer que mereces uma estátua,mas mandas-me`"às favas"... apenas digo que já as tens em cada artéria do meu coração.
Ai! Os embondeiros! Lembro-me bem deles. Árvores enormes! Como enorme é o trabalho que fazes por esse povo irmão... pelo meu povo!
Vá lá... Carpe diem! Um sorriso africano!

JMA disse...

Bela oração. De fraternidade.

EMD disse...

Querida avó pirueta,
ao ler as suas palavras, tão certas e vividas, fico… a saboreá-las, pensando que nada mais há a dizer.
Obrigada por ser e escrever assim.
Beijinhos

Anabela Magalhães disse...

Carmo que lindo e emotivo texto a que se fica preso pelo olhar, pelo sentir!
Amei passar por aqui.
Fica muito bem
Bjs

Licas disse...

"Procurei, pois, fazer algo no meu espaço
Procurei dar o meu Tempo, um Bem imperecível
Mas ninguém aceitou o meu regaço,
Nem precisou do meu ombro disponível.
Quem me procurou não precisava
E a quem me ofereci não aceitou"

São suas as palavras, mas podiam ser minhas ...
Há três anos que procuro dar a mão e ainda não encontrei o rumo.
Não posso e confesso não sei se teria coragem de partir também, mas por cá julgo que ainda poderei encontrar o meu local.

Aonde?

Vou continuar a procurar e anseio poder encontrar-me.

Mais uma vez obrigada pelas suas palavras de alento
Um abraço
Licas