terça-feira, 20 de maio de 2008
Algumas histórias reais
A partir do ano lectivo de 2005, os alunos têm que ter aulas de Educação Musical no ensino básico e, entretanto,houve alguém, entretanto sem trabalho, que se prontificou a dar essas aulas. Perguntaram-lhe se ele estava preparado e ele disse que sim. Até se admirou com a pergunta. Afinal, na opinião dele, quem é que não estaria preparado para dar uma disciplina tão agradável? E lá iniciou as aulas, com grandes cantorias, que se ouviam em todo recinto da Escola, por sinal bem grande e que foi totalmente construída e equpada pelo governo espanhol.
Ora acontece que, para facilitar a vida aos poucos professores que há para tantos alunos, o programa já vem com planificações: nesta aula dá-se isto, na seguinte ensina-se aquilo, e assim por diante. Até que um dia a directora lhe perguntou se ele já tinha começado a ensinar a escrever e a ler na pauta. Se já tinha dado as notas. Pauta? O que era uma pauta? Parecia até uma palavra feia. Não, não tinha ensinado nada sobre essa tal pauta, de que ele nunca tinha ouvido falar... E sobre as notas, então isso não era só no fim do período? Ainda agora tínhamos começado o ano já queriam notas? E assim lá se foi um professor de música à viola.
É que o pobre pensava que a pauta era aquela folha que se preenche no fim de cada período, com as classificações obtidas, vulgo "notas". E para cantar não era preciso muito mais do que ter voz, mesmo que desafinada
Esta história, por acaso, fez-me pensar em o que é que aconteceria em Portugal se também procurássemos saber o que certos mestres o que andam a ensinar. Provavelmente, não nos espantaríamos de encontrar igualmente professores de música que não conheciam a pauta de lado nenhum, com o devido respeito pelos que sabem...
Porque, de facto, não podemos fingir que não sabemos que muita coisa vai mal entre os professores...
PS. O sorriso multisignificativo quer dizer que não é de troça: é do risível da situação a que se junta uma certa tristeza por tal circunstância poder ainda ocorrer.
domingo, 18 de maio de 2008
Será uma premonição?

Porque hoje é Domingo e eu gosto das Pessoas

Desejo primeiro que você ame,
E que amando, também seja amado.
E que se não for, seja breve em esquecer.
E que esquecendo, não guarde mágoa.
Desejo, pois, que não seja assim,
Mas se for, saiba ser sem desesperar.
Desejo também que tenha amigos,
Que mesmo maus e inconsequentes,
Sejam corajosos e fiéis,
E que pelo menos num deles
Você possa confiar sem duvidar.
E porque a vida é assim,
Desejo ainda que você tenha inimigos.
Nem muitos, nem poucos,
Mas na medida exacta para que, algumas vezes,
Você se interpele a respeito
De suas próprias certezas.
E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo,
Para que você não se sinta demasiado seguro.
Desejo depois que você seja útil,
Mas não insubstituível.
E que nos maus momentos,
Quando não restar mais nada,
Essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.
Desejo ainda que você seja tolerante,
Não com os que erram pouco, porque isso é fácil,
Mas com os que erram muito e irremediavelmente,
E que fazendo bom uso dessa tolerância,
Você sirva de exemplo aos outros.
Desejo que você, sendo jovem,
Não amadureça depressa demais,
E que sendo maduro, não insista em rejuvenescer,
E que sendo velho, não se dedique ao desespero.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e
É preciso deixar que eles escorram por entre nós.
Desejo por sinal que você seja triste,
Não o ano todo, mas apenas um dia.
Mas que nesse dia descubra
Que o riso diário é bom,
O riso habitual é insosso e o riso contínuo é insano.
Desejo que você descubra,
Com o máximo de urgência,
Acima e a respeito de tudo, que existem oprimidos,
Injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta.
Desejo ainda que você afague um gato,
Alimente um cuco e ouça o joão-de-barro
Erguer triunfante o seu canto matinal
Porque, assim, você se sentirá bem por nada.
Desejo também que você plante uma semente,
Por mais minúscula que seja,
E acompanhe o seu crescimento,
Para que você saiba de quantas
Muitas vidas é feita uma árvore.
Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro,
Porque é preciso ser prático.
E que pelo menos uma vez por ano
Coloque um pouco dele
Na sua frente e diga "Isso é meu",
Só para que fique bem claro quem é o dono de quem.
Desejo também que nenhum de seus afitos morra,
Por ele e por você,
Mas que se morrer, você possa chorar
Sem se lamentar e sofrer sem se culpar.
Desejo por fim que você sendo homem,
Tenha uma boa mulher,
E que sendo mulher,
Tenha um bom homem
E que se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes,
E quando estiverem exaustos e sorridentes,
Ainda haja amor para recomeçar.
E se tudo isso acontecer,Não tenho mais nada a te desejar.
(Original de Victor Hugo adaptado por Vinícius de Morais)
Desejo, ainda, com todas as fibras do meu Querer
Que vos permitam ser o que desejam,
sem pesos nem medidas falsas e inúteis,
isto é, Professores,
Homens, Mulheres, Cidadãos, de corpo inteiro
(Original da Avó Pirueta, adaptado pelo meu Amor por tudo o que Deus fez)
sexta-feira, 16 de maio de 2008
FÁBULA COM CARAPUÇA

Uma fábula com carapuça, para quem o não saiba, é aquela cuja moralidade serve na cabeça de alguém. Dada esta explicação prévia, vamos à fábula:
Era uma vez uma Escola cujos pedagogos decidiram levar os seus discípulos à cidade de Atenas, à Assembleia, para que os jovens aprendessem, pelo exemplo, com os que discutem os superiores interesses do Povo. Como parecia uma missão altamente nobre, (os objectivos que se perseguiam eram os de acordar os jovens para a importância da Cidadania e os deveres dos eleitos perante os eleitores), enviaram arautos à frente. Era sua missão pedir autorização para assistir a tão importante acontecimento e, ainda, sensibilizar tão insigne instituição, na pessoa dos seus membros, para o facto de, a assistir aos seus trabalhos, estarem jovens numa idade altamente mimética.
Chegou, finalmente, o dia em que, após longa viagem, para alguns até penosa, pedagogos e discípulos se dirigiram à Assembleia. Estes estavam conscientes da transcendência do acontecimento: sabiam, a exemplo do que lhes era ensinado na Escola, da necessidade de uma postura respeitosa, da obrigação de um silêncio absoluto. Mais: embora todos tivessem ido munidos de uns curiosos instrumentos que lhes permitiam falar com qualquer pessoa em qualquer lado, (os Gregos, eram, de facto, muito inteligentes...), tinham facilmente abdicado deles, dado que era proibido utilizá-los no recinto. Era fácil provar, sem margem para dúvidas, que os tais aparelhos perturbavam os que ouviam os oradores. E os jovens sabiam que era uma falta de respeito falar enquanto outros tratavam de assuntos de relevo e de interesse geral.
À hora determinada, pedagogos e discípulos estavam à porta da Assembleia, confiantes em ir assistir a algo de memorável. O que, de facto, aconteceu. Infelizmente, não no sentido esperado.
Para grande espanto dos jovens, muitos membros da Assembleia estavam ausentes. Outros, chegaram atrasados. Parecia que, de manhã, a discussão se tinha arrastado, atrasando o almoço. Chegavam, uns atrás dos outros, aos pares e aos trios, falando com desembaraço, assinavam o livro de ponto diligentemente e… E depois, alguns saíam outra vez após escassos minutos, outros conversavam com os vizinhos sem prestar a mínima atenção aos oradores, passeavam por entre as filas de cadeiras, parando aqui e ali, outros desapertavam um tanto a toga para, mais à vontade, dormitarem na segurança das últimas filas e, finalmente, muitos, mas muitos mesmo, comunicavam com o exterior por meio de instrumentos iguais aos que os discípulos tinham obedientemente deixado nas antecâmaras. Os jovens assistiam a tudo de boca aberta, perante a aflição dos seus pedagogos e do chefe do hemiciclo que olhava ora para os seus subordinados ora para os assistentes nas galerias. Após cerca de duas horas, praticamente ocupadas com assuntos de antes da ordem de trabalhos, numa discussão sem garra nem glória, pedagogos e discípulos retiraram-se, desiludidos.
Os pedagogos suspiravam entre si: “E foi para isto que viemos de tão longe? Valia mais eles ficarem só com os nossos exemplos”.
Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência nem acaso...
quinta-feira, 15 de maio de 2008
O Bambu chinês e a Gestação do Oculto

“Dizem que existe na China uma espécie de bambu absolutamente particular. Se semearmos uma semente em terreno propício, temos que nos prover de paciência… Com efeito, no primeiro ano não acontece nada: nenhum caule se digna sair do chão, nem o menor rebento. No segundo, também não. No terceiro? Nadinha! E no quarto? …Isso sim!
Só no quinto ano é que o bambu lança finalmente o seu rebento para fora da terra. Mas agora, num só ano, ele vai crescer doze metros: que “recuperação” espectacular A razão é simples: durante cinco anos, enquanto nada acontece à superfície, o bambu desenvolve secretamente prodigiosas raízes no solo graças às quais, chegado o momento, está em condições de fazer uma entrada triunfal no mundo visível, à luz do dia. (…)
O bambu chinês ensina-nos muitas e importantes coisas: Primeiro, mostra-nos que não é por não vermos que nada se está a passar. Depois, indica-nos que certas mudanças bruscas ou, por vezes, instantâneas, podem ser o resultado de uma lenta evolução que não nos é perceptível. (…)
Podemos observar o fenómeno do bambu chinês em muitos e variados domínios humanos. Ignorá-lo leva-nos muitas vezes a interpretar mal determinadas situações, seja alarmando-nos inutilmente com uma aparente falta de mudanças positivas, seja assentando a nossa calma na ausência enganosa de mudanças negativas, que não tardarão, contudo, a revelar-se.
Em matéria de educação, por exemplo, certas crianças progridem de de maneira constante e regular, enquanto outras parecem estagnar, não evoluir, acumulando atrasos. No entanto, entre elas encontram-se muitas “crianças-bambu” que, chegadas a um certo estádio da sua imperceptível maturação interior, vão repentinamente dar passos gigantescos no seu desenvolvimento, apanhando e por vezes ultrapassando aquelas em relação às quais as julgávamos atrasadas. (…)”
In “A rã que não sabia que tinha sido cozida e outras lições de Vida”, Olivier Clerc, Publicações Europa-Américo
Amigos, vim carregada de livros mas poucos trouxe, por excesso de peso, para Leitura-prazer. Trouxe comigo um pequeno desconhecido, de capa verde, cujo título me saltou à vista e acordou a minha curiosidade. Apesar de ter de me levantar às seis horas, não consigo deitar-me cedo, porque há sempre acertos a fazer para os trabalhos do dia seguinte mas isso não consegue vencer o meu hábito de quase 60 anos de ler SEMPRE antes de dormir. Encontrei lá , no tal livro, esta alegoria que achei interessante (aliás todas elas o são e se encontram nas acções mais triviais da nossa vida diária). Impressionou-me, sobremaneira, aquela frase: “não é por não vermos que nada se está a passar.” E muitas vezes nós é que não queremos ver, porque depois de saber, não se pode ignorar…
Até sempre.
quarta-feira, 14 de maio de 2008
Angola em que vivo

Luanda, 2008
Estou em Angola pela 5ª vez em 3 anos, depois de aqui ter vivido os primeiros 23 anos da minha vida. Esta Luanda já não é a “minha” Luanda, nem o deveria ser. Esta minha Luanda de agora dói-me e enche-me a alma, ao mesmo tempo. O seu crescimento desmesurado, sem estruturas mínimas, provoca um caos enorme. O tráfego automóvel é indescritível, a pobreza vê-se a olho nu.
Mas há um calor humano, uma azáfama incessante, um acreditar contra todo o desespero que me enche de Esperança. Portanto, Raul do Imenso sorriso, quero dizer-te que o prédio da Cuca ainda existe. Lembra-te de que eu sou do tempo da construção da fábrica da Cuca, na Estrada do Cacuaco. Foi o senhor Paulino, um diletante (sei-o agora) que era hóspede em casa do meu pai e o que me disse que o Menino Jesus punha presentes nos sapatinhos, que ganhou o concurso para o primeiro rótulo. Mas na Marginal, o prédio da cerveja rival, a Nocal, ainda é mais alto.
Aliás, a construção vê-se crescer minuto a minuto, em todo o espaço, a uma velocidade e custo inexplicáveis. O espaço é tão valioso como ouro e não consigo imaginar os limites do futuro.
O velho e belo Banco de Angola, ainda é imponente, no seu cor-de-rosa desmaiado por muitos sóis e chuvas. A baía, a minha belíssima e querida Baía de Luanda, aquela que mais se assemelhava a Guanabara, está a ser modificada. Raramente lá passo, mas aperta-se-me o coração ao vê-la, quase toda já tapada com areia. Dizem que é para construir um parque temático, mas, sinceramente, não sei de quê.
O Mussulo, a Corimba, o Cabo Ledo, a Ilha, continuam a ser praias maravilhosas, com água de onde não apetece sair. Nossa Senhora da Muxima continua com a sua festa a 13 de Maio, pois embora Muxima signifique “coração”, Nossa Senhora da Muxima é Nossa Senhora de Fátima.
Ontem houve várias procissões nocturnas, tão parecidas com as nossas que, se fossem de dia e com foguetes, esqueceríamos a falta do rosmaninho e pensaríamos estar a ouvir João Villaret a dizer “A Procissão”…
A Maianga ainda é uma zona nobre, a Cidade Alta está mais reservada, pois aí funciona o Palácio do Governo e várias altas instituições. O velho cinema Restauração foi abaixo e agora está lá o Palácio da Assembleia Nacional. Por detrás, o velho Parque Heróis de Chaves ainda se chama Parque Heróis de Chaves. O Hospital D. Maria Pia dividiu o nome com o da primeira esposa de Samora Machel – Josina Machel.
A Rua dos Combatentes chama-se agora Comandante Valódia, mas por cada uma pessoa que a designa por este nome há dez que lhe chamam simplesmente “os Combatentes”. A Rua D. António Barroso deve ter 50 pessoas a dar-lhe este nome em vez do que lá está na placa e que nem recordo.
Já não há o cinema Miramar, o Nacional chama-se agora “Chá de Caxinde”, o Tropical continua com o mesmo nome. O Mercado de Quinaxixe, situado no Largo do Quinaxixe, que já tinha sido chamado, não sei por que bulas, Largo dos Lusíadas e depois, Largo da Maria da Fonte (!)
continua fechado e a fazer uma falta enorme. A Livraria Lello nem chega a ser uma pálida chama do que foi, mas há-de arribar.
A antiga Câmara, sobre a Mutamba, de onde não saem nem onde chegam machimbombos, é agora o Palácio do Governo da Província de Luanda.
E o povo? O povo é um povo orgulhoso, que quer ter voz activa, que se assume como uma velha civilização, ainda que diferente. Antigas tradições estão a ser recuperadas, mesmo ao nível daquilo que se chama “as melhores famílias”: o alambamento (festa em que o noivo entrega à família da noiva uma espécie de dote ou arras - quem se lembra de “Arras por foros de Espanha? – e tanto maior quanto mais importante ele se quiser fazer ver). Os nomes antigos começam a tornar-se comuns, como Nfulu para menina (quer dizer “bonita”) ou Landas, nome masculino que significa “sábio”. Há muitas crianças, graças a Deus, as mulheres vestem com bom gosto, são bonitas, bem feitas, uma tentação para quem vem sozinho… Os homens são vaidosos, capricham no vestuário e gostam de trazer os sapatos reluzentes de graxa.
Malange, Kibaxi, Viana, Úcua, Sumbe, Gabela, muito envelhecidas porque o seu povo veio para Luanda e não mostra vontade de voltar. O sul, com o seu clima mais ameno, está a crescer mais ordenadamente e está de encher o coração.
Hei, minha gente Africana, chegou? Eu nunca me canso de falar destas terras.
O que faço por aqui?

Para chegar a mim,
Descobri que a rota mais directa
Era sair de mim.
Muitos me perguntaram, curiosos,
“África, porquê e em que nome?
Não vês perto de ti tantos desejosos
Tantos também com Fome?”
Lembrei-me então da parábola
Em que Jesus falou das migalhinhas
Que ao cair da mesa dos eleitos
Alimentavam as bocas pobrezinhas.
Procurei, pois, fazer algo no meu espaço
Procurei dar o meu Tempo, um Bem imperecível
Mas ninguém aceitou o meu regaço,
Nem precisou do meu ombro disponível.
Quem me procurou não precisava
E a quem me ofereci não aceitou.
E África a clamar, dentro de mim,
Mais uma vez, bem alto, me chamou,
Como uma Mãe a gritar pelo filho ausente.
Tive mesmo de lhe dizer “Presente”
E vim, e fui, e vim.
Que faço? perguntam
Sigo as regras que eu própria estabeleci:
Faço o que sei, onde for preciso,
Pois esse é o trabalho que escolhi.
Numa comunidade terrivelmente pobre,
Onde terei que ser pobre também.
Não posso nem quero ser diferente,
Eles são meus Filhos, eu sou Mãe.
Aprendo e ensino a fazer Pão
Com inesperados ingredientes;
Construímos o forno, em união,
Preparamos a terra e as sementes.
Descubro em cada dia uma nova oferta
Que o Senhor me traz sem a pedir
E procuro manter a alma aberta
Para aprender a melhor amar e a sentir.
Outras vezes, procuro humanizar
Tudo o que está associado à Dor
E sinto uma alegria singular
Por cada novo gesto de um velho Amor.
“Mas o que fazes? Perguntam outra vez
E outra vez respondo sem mentir.
Faço o que é preciso em cada vez,
Faço o que me pedem sem pedir.
O que me dá mais Alegria e mais Calor
É trabalhar com mulheres e com crianças.
Gosto de sentir-lhes a cabeça no regaço,
Gosto de ajudar as mulheres em seu labor.
Porque a Mulher Africana é heroína
Desde que o sol se levanta, de manhã.
São os seus ombros, ainda que menina
Que carregam as sementes do Amanhã.
A Mulher Angolana, se eu mandasse,
Teria uma estátua em cada rua.