Mãe,
Palavra breve,
suave e leve,
Maior do que a Vida.
Filho,
Milagre eterno,
Profundo e terno,
Que enche a Vida!
(Não fui capaz de pôr estas palavras como legenda da foto com o meu filho Rui, em Dezembro de 1965, com cinco meses mal medidos)
domingo, 4 de maio de 2008
FILHOS

Tive a felicidade de ter sentido por três vezes estas emoções, que depois se multiplicam nos Netos, numa cadeia de Afectos que nunca mais finda. Por favor, deixem-me ser agora um pouco prosaica e dizer que não tenho dúvidas de que há mulheres que dão à luz e não são Mães. E outras que nunca sentiram um ser vivo no seu ventre e o são. Mas nem por isso devemos descrer de que não há Amor mais incondicional do que o materno.
Ouso dizer que não amo os meus três filhos de igual maneira, porque eles são diferentes e cada um é cada um. Mas se houvesse balança para pesar o Amor, sei que ela ficaria equilibrada, sem um grama de diferença.
Depois, maravilhosamente, Deus deu-me a possibilidade de ter filhos do coração. De todos os tamanhos e idades. Quase em todos os continentes. E também eles me suscitam este sentimento de realização plena. Por todas as Mães, com todas as Mães, Obrigada, Senhor!
sábado, 3 de maio de 2008
Porque hoje é Sábado, tempo de relaxar, e Nada é definitivo!
Nada é definitivo. Este é um dos meus lemas. Aprendi o seu valor num dos mais belos livros que li, e que comecei a ler num avião bimotor que me levava de Luanda a Malange, na manhã do dia 8 de Março de 1963. Chama-se “Cidadela”, de J. Cronin. Este lema tem-me ajudado a relativizar coisas complicadas e a aceitar com coerência situações que, à partida, pareciam impossíveis de melhorar.
O intróito serve para vos contar por que tenho um Filho chamado Carlos Manuel mas que eu queria que se chamasse João Manuel. Só que, nessa altura, eu já dava aulas e tinha um aluno chamado João Manuel. Este aluno dava umas respostas tão loucas que eu, na ignorância dos meus 21 anos e escudada no meu Amor incondicional por aquele Filho tão desejado, reconheço que tive medo que os nomes tivessem algum efeito nas pessoas… Podem rir-se ou sorrir, mas não quis arriscar. Pois o João Manuel, soube-o há pouco, cresceu, mudou e acaba de se aposentar de um lugar de responsabilidade que exerceu com honra e com saber. Portanto, cuidado, “nada é definitivo”, graças a Deus.
Agora, vamos ao mais importante: o João Manuel, naquele longínquo ano lectivo de 1963/64, estava a repetir o 2º ano de uma Escola Industrial e Comercial e eu era professora de Língua e História Pátria. No fim de cada período fazíamos uma prova global (!!!), que era elaborada pelo Professor Responsável pela disciplina, igual para todas turmas. À questão sobre o que era a Lei das Sesmarias, o João Manuel respondeu: “A Lei das Seis Marias dizia que a cólera mole e a febre-amarela só podiam aparecer no reinado de D. Maria II.” (ipsis verbis)
Fiquei para morrer! A seguir, havia uma composição subordinada à “Crise de 1383-1385” (perguntar isto, assim, a miúdos de 11 anos, que viviam uma realidade completamente diferente, reconheço, também era de loucos). E ainda hoje sei de cor, com pontuação e parágrafos, o que escreveu o João Manuel:
“D. Fernando casou com D. Leonor Teles, senhora de maus portos.
Casou contra a vontade do povo.
Não foi feliz.
Bem feito.”
Bem, aqui dei umas saudáveis gargalhadas, mas o medo instalou-se: nessa altura, fim do 1º período, eu estava grávida de 5 meses!
E foi por estas bolandas que o meu Primogénito ficou a chamar-se Carlos Manuel!
O intróito serve para vos contar por que tenho um Filho chamado Carlos Manuel mas que eu queria que se chamasse João Manuel. Só que, nessa altura, eu já dava aulas e tinha um aluno chamado João Manuel. Este aluno dava umas respostas tão loucas que eu, na ignorância dos meus 21 anos e escudada no meu Amor incondicional por aquele Filho tão desejado, reconheço que tive medo que os nomes tivessem algum efeito nas pessoas… Podem rir-se ou sorrir, mas não quis arriscar. Pois o João Manuel, soube-o há pouco, cresceu, mudou e acaba de se aposentar de um lugar de responsabilidade que exerceu com honra e com saber. Portanto, cuidado, “nada é definitivo”, graças a Deus.
Agora, vamos ao mais importante: o João Manuel, naquele longínquo ano lectivo de 1963/64, estava a repetir o 2º ano de uma Escola Industrial e Comercial e eu era professora de Língua e História Pátria. No fim de cada período fazíamos uma prova global (!!!), que era elaborada pelo Professor Responsável pela disciplina, igual para todas turmas. À questão sobre o que era a Lei das Sesmarias, o João Manuel respondeu: “A Lei das Seis Marias dizia que a cólera mole e a febre-amarela só podiam aparecer no reinado de D. Maria II.” (ipsis verbis)
Fiquei para morrer! A seguir, havia uma composição subordinada à “Crise de 1383-1385” (perguntar isto, assim, a miúdos de 11 anos, que viviam uma realidade completamente diferente, reconheço, também era de loucos). E ainda hoje sei de cor, com pontuação e parágrafos, o que escreveu o João Manuel:
“D. Fernando casou com D. Leonor Teles, senhora de maus portos.
Casou contra a vontade do povo.
Não foi feliz.
Bem feito.”
Bem, aqui dei umas saudáveis gargalhadas, mas o medo instalou-se: nessa altura, fim do 1º período, eu estava grávida de 5 meses!
E foi por estas bolandas que o meu Primogénito ficou a chamar-se Carlos Manuel!
PUDOR
Há um sentimento que se chama PUDOR. Esta palavra tem sofrido umas mudanças ao longo da História mas para mim continua a ser muito importante. Não estou preocupada, quando falo em Pudor, com a muita ou pouca roupa que as pessoas põem a cobrir o corpo. É secundário. O Pudor que me interessa é outro. Hoje fui cumprir o meu fado de compradora compulsiva de livros à FNAC e, lá bem à vista, estava com o seu ainda erro de ortografia, uma obra de que o Prof. Malaca Casteleiro é co-autor. Lembrei-me de como o barco do Poema de António Nobre era tão bonito com o seu erro de ortografia, mas aquele ATUAL, designação principal da obra, chocou-me. Não achei bonito. Que me desculpe o Professor e o seu co-autor, mas além da falta do c senti falta de Pudor. O senhor tem andado há anos embrenhado nos meandros do Acordo Ortográfico. Que não vou discutir aqui, porque não tem discussão. Não é a ortografia que separa o nosso Português da língua que se fala no Brasil. Mas como já sei que outros valores menos altos se alevantam e chegam onde querem, dispenso-me de esgrimir evidências e reservo as minhas energias para tentar falar bem o meu Português.
Mas, sinceramente, não gostei da sua atitude. Acha bem? Faça um exame de consciência: sente-se tranquilo, à vontade? Não luta um pouco consigo mesmo, à noite, quando se deita? Quem me coíbe de pensar que a sua tão intensa defesa do Acordo tem como um dos objectivos a venda do seu livro? O pensamento é livre, não é verdade?
Um dia destes, ou antes, uma noite destas, num dos debates por causa da liderança do PSD (vivi tantos anos sem saber o que era liderança! E depois, um dia, começam a dizer-me que tenho espírito de liderança e que isso era bom, blá, bla…), ouvi alguém dizer que “era uma certa falta de pudor o candidato X ter (ou ir ter) como mandatário Y”. O capital crime parecia ser a circunstância de Y ser filho de W, que tinha deixado o lugar a que X agora aspirava… Parecia que X estava a pedir batatinhas a W, se me entende…
Pois olhe, hoje, ao olhar para o ATUAL, senti que havia ali muito mais razão para sentir Pudor do que no caso de quem era pai do mandatário Y!
Não gosto de ser injusta (sou Balança, sabe?) nem lhe estou a pedir explicações. Aliás, tenho a certeza de que esta minha reflexão não se vai encontrar no seu caminho. Mas julgo que ainda tenho o direito de pensar. Sabe, eu não seria capaz de fazer uma coisa dessas. A única coisa que lhe serve de atenuante é que se identificou. Porque muitos fazem o mesmo mas escondem-se por detrás de outro nome.
Só mais uma coisita: um Professor ainda deveria ter mais Pudor e não fazer estas coisas.
Sem ofensa.
Mas, sinceramente, não gostei da sua atitude. Acha bem? Faça um exame de consciência: sente-se tranquilo, à vontade? Não luta um pouco consigo mesmo, à noite, quando se deita? Quem me coíbe de pensar que a sua tão intensa defesa do Acordo tem como um dos objectivos a venda do seu livro? O pensamento é livre, não é verdade?
Um dia destes, ou antes, uma noite destas, num dos debates por causa da liderança do PSD (vivi tantos anos sem saber o que era liderança! E depois, um dia, começam a dizer-me que tenho espírito de liderança e que isso era bom, blá, bla…), ouvi alguém dizer que “era uma certa falta de pudor o candidato X ter (ou ir ter) como mandatário Y”. O capital crime parecia ser a circunstância de Y ser filho de W, que tinha deixado o lugar a que X agora aspirava… Parecia que X estava a pedir batatinhas a W, se me entende…
Pois olhe, hoje, ao olhar para o ATUAL, senti que havia ali muito mais razão para sentir Pudor do que no caso de quem era pai do mandatário Y!
Não gosto de ser injusta (sou Balança, sabe?) nem lhe estou a pedir explicações. Aliás, tenho a certeza de que esta minha reflexão não se vai encontrar no seu caminho. Mas julgo que ainda tenho o direito de pensar. Sabe, eu não seria capaz de fazer uma coisa dessas. A única coisa que lhe serve de atenuante é que se identificou. Porque muitos fazem o mesmo mas escondem-se por detrás de outro nome.
Só mais uma coisita: um Professor ainda deveria ter mais Pudor e não fazer estas coisas.
Sem ofensa.
Etiquetas:
A Língua Portuguesa,
Pudor,
Valores
sexta-feira, 2 de maio de 2008
O Fim em vista

O fim em vista ao apresentar este texto com que Charles Handy termina “O Espírito Faminto” aparece-me um bocado nebuloso… Mas apetece-me tanto que até me vou dar ao “trabalho” de o digitalizar para o partilhar convosco. O título é “O Melhor Quadro do Mundo”:
“Não hesito em nomear o que, na minha opinião, é o melhor quadro do mundo. Trata-se de Resurrection, de Piero della Francesca. Ainda se encontra no local onde há 500 anos foi pintado – a parede da Câmara Municipal de Borgo San Sepolcro, uma pequena cidade da Umbria. O quadro é grande, ocupa a parede toda. Retrata a Ressurreição de Cristo do túmulo, enquanto os soldados que deveriam estar a guardá-Lo dormem, encostados à parede do túmulo. A figura de Cristo é nobre, imponente. São os olhos que chamam primeiro a atenção, penetrantes, arrojados, determinados, difícil de se lhes fugir. É a cara de um homem que vê a vida no seu todo e sabe qual o lugar que nela ocupa. Fico durante muito tempo a observar o quadro, como que enfeitiçado. Saio de lá sempre perturbado e, contudo, revigorado.
Cada um interpreta à sua maneira as grandes obras de arte. Para mim, o Resurrection tem um significado metafórico e não o convencional significado religioso. “Estou livre, diz a mensagem, para romper com o meu passado e para me recriar. Se o fizer, serei mais forte e mais seguro. Mesmo que a minha vida, até agora, tenha sido um fracasso, na opinião de muitas pessoas, tal como a vida do Homem retratado naquele quadro, o melhor ainda está para vir. Não tenho que estar encostado a dormir, como os soldados, aguardando as minhas ordens. Talvez não veja os resultados do meu empenho, mas lutarei para que outras pessoas possam tirar partido deles, nem que seja depois da minha morte.”
É este o tipo de eternidade que conheço. (…) O melhor estará sempre para vir se nos ressuscitarmos do passado. É essa esperança que me dá forças, a esperança e a certeza de que somos totalmente nós quando nos perdemos na preocupação que temos pelos outros ou numa causa maior do que nós. (…) Devemos acreditar que somos bons, e se, por vezes, tal não for digno dessa confiança, na maior parte das vezes sê-lo-á, porque existe em todos nós algo que grita por um mundo melhor e mais justo. Qual o lugar ideal para começar senão o lugar onde estamos?
Louis MacNeice, no seu poema Autumn Journal, revela o que nós queremos:
Se for algo viável, alcançável,
Vamos desejá-lo agora
E rezar por uma Terra possível…
Onde os altares do verdadeiro poder
E do verdadeiro lucro
Caíram em desuso,
Onde ninguém vê a importância
De comprar dinheiro e sangue
Ao preço do sangue e do dinheiro,
Onde o indivíduo, desprovido de arrogância
Trabalha com os outros… “
Pois é, o nebuloso fim em vista era apresentar o Poema. E o livro tem a ver com Gestão. Mas eu não sei de quem mereça mais a designação de “gestor de Recursos Humanos” do que nós, Professores.
Não sou capaz de encontrar um título!

Na quarta-feira soube que uma Colega nossa andava, há mais de dois anos, a depositar cinquenta euros por mês numa conta minha. Fiquei assustada! Nunca tinha dado por nada e o NIB que ela me deu, para confirmar, não é o que tenho por meu. Lá fui à CGD e, com o tal NIB, descobrimos a conta: estavam lá 1437 euros! Pude, finalmente, respirar. E a Alexandrina telefonou-me ontem à noite a dizer que já tinha depositado o que faltava para arredondar a conta.
Para onde vão estes 1500 euros? Para Invinha, Gurué, Alta Zambézia, Moçambique. Onde vivem estes meninos cuja foyo tirei no dia 19 de Abril de 2006. Eram, então, brilhantes alunos da ^ª classe. Sim, não leram mal e eu não me enganei: eram brilhantes alunos da 5ª classe!
Para onde vão estes 1500 euros? Para Invinha, Gurué, Alta Zambézia, Moçambique. Onde vivem estes meninos cuja foyo tirei no dia 19 de Abril de 2006. Eram, então, brilhantes alunos da ^ª classe. Sim, não leram mal e eu não me enganei: eram brilhantes alunos da 5ª classe!
E vai daí, fui ao meu Diário de Moçambique e resolvi transcrever o que escrevi no dia 2 de Maio desse ano. Aqui vai:
"O que é ajudar?
Por que será que sinto esta pergunta a martelar-me a cabeça e a apertar-me o coração com tanta frequência? Estou, como já disse, na província da Zambézia, em Moçambique. Mais concretamente na povoação de Invinha, a 18 quilómetros de Gurué, sede de distrito e de diocese. Estou no Moçambique profundo, que eu não imaginava existir, em pleno século XXI, embora saiba que estou a trabalhar num dos países mais pobres do Mundo. Para trabalhar é que vim. Para ajudar. Mas o que é ajudar?
Quanto mais me envolvo com o local e aprendo como vive esta população mais se me coloca esta pergunta. E ponho-me a pensar se estaremos, eu e os outros que por aqui andam, especialmente tantos jovens, a ajudar alguém. Mas a questão ainda é mais premente quando penso nas grandes organizações não governamentais. Será que resolvem o problema da Fome mandando para cá milho e farinha? Ou isso não servirá, antes, para pôr fim à já quase inexistente agricultura? Para quê cultivar, se posso ter de graça? E o que acontece ao comércio local, que não poderá competir com um produto a custo zero?
Para que se manda para aqui tanta roupa, muitas vezes inadequada, quando, depois, não há condições para a lavar, para a remendar? Quando ela se veste e nunca mais se despe senão quando desaparece no próprio corpo, por completo? Que remedeio eu se for visitar as pobres casas da vizinhança e lhes levar dois bens preciosos (um pedaço de sabão e uma caneca de sal) que lhes dão para dois dias? Não serão os dias seguintes ainda mais difíceis?
Então, o que se havia de fazer? Conselhos e opiniões, se valessem alguma coisa, não se dariam – vender-se-iam. No entanto, vou atrever-me a dar a minha opinião.
Moçambique e outros países nas mesmas circunstâncias precisam menos de esmolas do que de TRABALHO. Antes de explicar o que quero dizer com isto, devo, contudo, apontar algumas excepções: os moçambicanos precisam de medicamentos, precisam de ajuda médica, precisam de instalações onde se possam tratar. O centro de saúde de Invinha não tem água, não tem luz (à noite trabalha-se à luz de uma vela), chove lá dentro, não tem quase remédios nenhuns. O que a única Enfermeira que lá trabalha, pertencente à Congregação das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição, consegue fazer, com o que tem, é qualquer coisa de inexplicável. Esta noite dormiu lá, no chão, numa esteira. O que ela faria no mesmo edifício com água e luz, sem ser a água da chuva a escorrer pelas paredes abaixo e em cima das três camas lá existentes, com betadine, pomadas várias, analgésicos, vitaminas e pouco mais, seria certamente elevado exponencialmente.
Agora que já dei um exemplo concreto, vou continuar com a minha linha de pensamento: esta população precisa de trabalho. Quem não tem educação, no sentido de instrução, não pode ser acusado de falta de iniciativa. Por que será que as ONG’s, em vez de dar, não aplicam os seus donativos em estruturas empresariais, dirigidas durante um determinado período de tempo até formar trabalhadores e pequenos gestores? Já alguém pensou que, ao dar, estamos a retirar alguma dignidade ao ser humano que está à nossa frente?
Sei que, há algum tempo, uma dessas organizações, a Human People, foi muito criticada na Europa porque vendia as peças de vestuário que lhes tinham sido oferecidas. Aqui, no terreno, sei que fizeram e estão a fazer o que deve ser feito. Vendendo, ainda que a preços pouco mais do que simbólicos, dão valor aos artigos. Com o dinheiro conseguido, investem em campos muito carenciados, como na promoção da criança e da mulher e na prevenção da doença, especialmente malária.
É preciso estimular um comércio justo. Numa região em que uma pequena parte da população se pode considerar verdadeiramente privilegiado se ganhar o equivalente a 34 euros por mês, pois a grande parte talvez tenha de se governar com metade ou ainda menos, como se pode pagar um quilo de sal a 33 cêntimos de euro? E uma barrinha de sabão enfezado, com uns 20 centímetros, pelo mesmo preço? Sabem que uma dúzia de ovos custa mais de 1,5 euro? Quando cheguei e me abasteci, a 500km do local onde estou, na cidade de Quelimane, por puro descuido, comprei um queijo português, marca Elos, nada do outro mundo, que pesaria pouco mais de meio quilo. Mas era, sim, algo de outro mundo: primeiro, porque não reparei no preço – 470.000 meticais- ou seja, ao câmbio actual, a módica quantia de 15 euros – e depois, porque uma pessoa sente-se, no mínimo, desconfortável, a comer queijo quando vê o que se come, na casa ao lado.
Ensinar – a ler, a cultivar a terra, a coser roupa, a lavar, a ter iniciativa, a… isso, sim, talvez seja ajudar. O resto é ilusão para calar alguma voz que grite dentro de nós. Mas para ensinar, é preciso primeiro aprender. Porque os moçambicanos não precisam necessariamente de aprender as coisas que eu sei. Uma das coisas que por aqui tenho comprovado é que, de facto, “de boas intenções está o Inferno cheio”. Até à próxima. Talvez eu consiga então ver alguma luz ao fundo do túnel."
Quanto mais me envolvo com o local e aprendo como vive esta população mais se me coloca esta pergunta. E ponho-me a pensar se estaremos, eu e os outros que por aqui andam, especialmente tantos jovens, a ajudar alguém. Mas a questão ainda é mais premente quando penso nas grandes organizações não governamentais. Será que resolvem o problema da Fome mandando para cá milho e farinha? Ou isso não servirá, antes, para pôr fim à já quase inexistente agricultura? Para quê cultivar, se posso ter de graça? E o que acontece ao comércio local, que não poderá competir com um produto a custo zero?
Para que se manda para aqui tanta roupa, muitas vezes inadequada, quando, depois, não há condições para a lavar, para a remendar? Quando ela se veste e nunca mais se despe senão quando desaparece no próprio corpo, por completo? Que remedeio eu se for visitar as pobres casas da vizinhança e lhes levar dois bens preciosos (um pedaço de sabão e uma caneca de sal) que lhes dão para dois dias? Não serão os dias seguintes ainda mais difíceis?
Então, o que se havia de fazer? Conselhos e opiniões, se valessem alguma coisa, não se dariam – vender-se-iam. No entanto, vou atrever-me a dar a minha opinião.
Moçambique e outros países nas mesmas circunstâncias precisam menos de esmolas do que de TRABALHO. Antes de explicar o que quero dizer com isto, devo, contudo, apontar algumas excepções: os moçambicanos precisam de medicamentos, precisam de ajuda médica, precisam de instalações onde se possam tratar. O centro de saúde de Invinha não tem água, não tem luz (à noite trabalha-se à luz de uma vela), chove lá dentro, não tem quase remédios nenhuns. O que a única Enfermeira que lá trabalha, pertencente à Congregação das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição, consegue fazer, com o que tem, é qualquer coisa de inexplicável. Esta noite dormiu lá, no chão, numa esteira. O que ela faria no mesmo edifício com água e luz, sem ser a água da chuva a escorrer pelas paredes abaixo e em cima das três camas lá existentes, com betadine, pomadas várias, analgésicos, vitaminas e pouco mais, seria certamente elevado exponencialmente.
Agora que já dei um exemplo concreto, vou continuar com a minha linha de pensamento: esta população precisa de trabalho. Quem não tem educação, no sentido de instrução, não pode ser acusado de falta de iniciativa. Por que será que as ONG’s, em vez de dar, não aplicam os seus donativos em estruturas empresariais, dirigidas durante um determinado período de tempo até formar trabalhadores e pequenos gestores? Já alguém pensou que, ao dar, estamos a retirar alguma dignidade ao ser humano que está à nossa frente?
Sei que, há algum tempo, uma dessas organizações, a Human People, foi muito criticada na Europa porque vendia as peças de vestuário que lhes tinham sido oferecidas. Aqui, no terreno, sei que fizeram e estão a fazer o que deve ser feito. Vendendo, ainda que a preços pouco mais do que simbólicos, dão valor aos artigos. Com o dinheiro conseguido, investem em campos muito carenciados, como na promoção da criança e da mulher e na prevenção da doença, especialmente malária.
É preciso estimular um comércio justo. Numa região em que uma pequena parte da população se pode considerar verdadeiramente privilegiado se ganhar o equivalente a 34 euros por mês, pois a grande parte talvez tenha de se governar com metade ou ainda menos, como se pode pagar um quilo de sal a 33 cêntimos de euro? E uma barrinha de sabão enfezado, com uns 20 centímetros, pelo mesmo preço? Sabem que uma dúzia de ovos custa mais de 1,5 euro? Quando cheguei e me abasteci, a 500km do local onde estou, na cidade de Quelimane, por puro descuido, comprei um queijo português, marca Elos, nada do outro mundo, que pesaria pouco mais de meio quilo. Mas era, sim, algo de outro mundo: primeiro, porque não reparei no preço – 470.000 meticais- ou seja, ao câmbio actual, a módica quantia de 15 euros – e depois, porque uma pessoa sente-se, no mínimo, desconfortável, a comer queijo quando vê o que se come, na casa ao lado.
Ensinar – a ler, a cultivar a terra, a coser roupa, a lavar, a ter iniciativa, a… isso, sim, talvez seja ajudar. O resto é ilusão para calar alguma voz que grite dentro de nós. Mas para ensinar, é preciso primeiro aprender. Porque os moçambicanos não precisam necessariamente de aprender as coisas que eu sei. Uma das coisas que por aqui tenho comprovado é que, de facto, “de boas intenções está o Inferno cheio”. Até à próxima. Talvez eu consiga então ver alguma luz ao fundo do túnel."
Subscrever:
Mensagens (Atom)