Devo estar doente. Mas não se preocupem. É, a ser, o tipo de doença que eu mesma terei que tratar. Os sintomas são estranhos: vejo e leio coisas e não acredito, pelo que estou a ganhar a paranóia de que todos se conluíaram para me enganar.
Por exemplo, li num jornal de hoje que, em Itália, duas crianças morreram afogadas e os seus corpos ficaram algum tempo nas areias da praia, à espera de serem retirados. Entretanto, os banhistas que enchiam o areal procederam como se nada se tivesse passado: brincaram, nadaram, jogaram, comeram, beberam, mesmo ao pé dos corpos infantis mal cobertos por uma toalha. E alguém insinuou que aquela indiferença cruel se deveria, talvez, ao facto de as crianças serem ciganas.
Vocês, os Amigos que me lêem, podem fazer-me o favor de me dizer se isto é verdade?
A minha empregada, mais minha filha que empregada, recebeu um telefonema para ir trabalhar para mais uma casa. E isso porque, sendo só nós agora, ela e eu, a Gorete tem muito mais tempo livre e pode ganhar mais. Ela continua comigo porque, além da amorável companhia que me faz, nós, eu e o meu Marido, a convencemos a fazer uma compra na base de que, enquanto um de nós fosse vivo, ela teria emprego. E avisámos os nossos filhos.
Bem, mas a Gorete tem o horário super-cheio e disse que não podia. No entanto, iria telefonar a alguém que estava livre e lhe parecia de confiança. Telefonou, à minha frente, a uma jovem de 33 anos que vive do Rendimento Mínimo. Que não aceitou, porque, palavras dela, não dobrava as costas por cinco euros por hora para limpar a casa dos outros. A Gorete jura que esta foi a resposta e assim também me pareceu. Mas isto pode ser verdade?
Não temos dinheiro para mandar cantar um cego, mas garantem-me que a penúltima ministra da Cultura gastou uns bons milhões só para preparar a possível vinda de um pólo do Museu Hermitage. A Inglaterra não aguentava os custos de manter o pólo. Parece, de facto, um raciocínio lógico: eles não aguentavam mas nós não somos desses... E agora ficou tudo em águas de bacalhau. Dizem-me e também li no jornal. Poderá ser?
Muitos Professores podem ser excelentes, verdadeiramente excelentes, mas só em privado, com a sua consciência e junto dos seus alunos. Porque, com os seus pares, já é mais difícil eu acreditar que sejam vistos assim. O Governo destinou quantos excelentes poderia haver por escola! Não pode ser verdade! Alguém anda a tentar fazer com que me sinta louca.
Os ciganos têm orgulho nas suas tradições mas já não lhes apetece ser nómadas. Muito bem. Dizem que por aqui estão há 500 anos. Melhor ainda, porque eu estou há muito menos tempo e juro que sou portuguesa. Querem ser portugueses, tratados como portugueses, mas não ter que agir como os portugueses fazem em geral: pôr os filhos na Escola, tratar das vacinações, ter emprego e fazer descontos, coisas assim comezinhas. Só se alguém lhes der um empurrãozinho. Excepto que grande parte também recebe o tal rendimento mínimo. Não querem ser discriminados, mas também não querem viver com negros. Uns e outros, a viver em casas de renda económica, guerreiam-se e já se toma partido. Geralmente pelos mais claros. Mas quem eu ontem vi na TV, a marchar pela Paz, foram os escuros! Alguém me anda a enganar!
Amigos, este não é o Portugal em que quero viver. E mesmo quanto ao que se passou em Itália, vou adiantando que esta também não é a Europa a que quero pertencer. Sou exigente: não me importo de dormir no chão, de tomar banho de chuva, de passar um mês ou dois sem comer carne, mas sinto-me mal a viver num pais e num continente onde a Ética está moribunda, a Solidariedade está de férias e o Bom-Senso foi enterrado com música e foguetes, como numa Queima das Fitas. Isto num Pais que nasceu em 1143.
Digam-me, por favor, que tudo isto é mentira.
PS. Por favor, se comentarem, não se cansem a falar da corrupção africana, que eu não nego que exista. Só que "quem tem telhados de vidro não deve andar à pedrada" e não é de bom tom cuspir para o ar.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
15 comentários:
Excelente post, Carmo. Amei ler.
Posso levá-lo para o meu blogue?
Ah, e é verdade. Infelizmente tudo o que escreves é verdade.
Na minha escola uma professora viu umas plantas cheias de pó e chamou uma empregada a quem fez notar o pó nas ditas e a quem pediu um pano. A empregada foi buscar o pano e colocou-o nas mãos da professora.
Soube ontem. Já nada me espanta.
Vim logo ver, mas não se preocupe avó porque se está doente eu também estou e muitas mais pessoas
concerteza.
Em que mundo vivemos não sei,mas está tudo muito estranho,começo a ter medo da minha própria sombra.
Solidariedade realmente existe muito pouca, mas ainda existe e eu acho que nós somos prova disso e conheço mais algumas pessoas em quem confio plenamente e sei que são solidárias e não vão facilmente atrás de modas, mas duvido de muita coisa, e já não acredito em outras tantas infelizmente.
É pena,sinto que tudo o que me ensinaram eu ponho em prática, mas por vezes até tenho medo de estender a mão, as pessoas ofendessem, confundem pena com solidariedade, com amizade...
Como sabe, nesta última semana com tudo o que passei percebi, que tinha amigos verdadeiros e que deram a mão, que é precisa nestas alturas, mas nem todos infelizmente.
Para onde estamos a caminhar?
Há uns meses atrás escrevi um texto, aqui no blogue, um pouco sobre isto, as pessoas vivem egoistamente no seu casulo e não se preocupam nem com os vizinhos, já nem existem, está tudo na toca.
E NÃO HÁ DÚVIDA QUE ALGUMAS PESSOAS ME SURPREENDEM NESTAS ALTURAS, UMAS PELA POSITIVA, OUTRAS PELA NEGATIVA.
E já agora avó que estamos a falar em solidariedade publicamente muito obrigada pela sua que mal me conhece, mas mostrou e deu a mão
Beijinhos e sorrisos BEM MAIS CALMOS AGORA.
OBRIGADA
Isabel
Há muita boa gente "doente".
Doente doente, já sem aspas, está a Teresa,e por isso mesmo, nao tem aparecido na internet.
Um beijinho dela, e meu para si Carmo - permita-me que a chame assim.
Rita
(quase da familia da Teresa)
Faz lembrar o Lamento de Miguel Torga
Pátria sem rumo, minha voz parada
Diante do futuro!
Em que rosa-dos-ventos há um caminho
Português?
Um brumoso caminho
De inédita aventura,
Que o poeta, adivinho,
Veja com nitidez
Da gávea da loucura?
Ah, Camões, que não sou, afortunado!
Também desiludido,
Mas ainda lembrado da epopeia...
Ah, meu povo traído,
Mansa colmeia
A que ninguém colhe o mel!...
Ah, meu pobre corcel
Impaciente,
Alado
E condenado
A choutar nesta praia do Ocidente...
Miguel Torga
Ouma:
Os meus olhos encheram-se de lágrimas quando li a história das duas crianças... Fiquei com algumas naúseas, na verdade...
Nem sei o que lhe dizer. Talvez entenda melhor agora o porquê de me sentir sempre tão desenquadrada da sociedade que me rodeia e o facto de ser constantemente magoada, exactamente, por gostar de pessoas. Todas elas! Depois apanho cada desilusão que fico com as bases da minha crença na bondade humana completamente despedaçadas. Já as reconstrui várias vezes mas ficaram, para sempre, frágeis.
Eu pergunto onde está a humanidade?!
Apenas me resta dizer-lhe que ainda bem que ainda existem pessoas como aquelas que fazem parte da nossa TRIBO...
Um grande beijinho
avó pirueta cagente inda na disse ca seija munte bem reguerssáda cagente fás vezita todos dias e a nha maria quére sempere lêre tudinhe a sua scrita camodos queu dito quéla fica munte cuntente ca gosta munte. ai ca sôdades do cantinho dagente cagora a nha maria fáz as sôpas queu gosto.
um abrace dagente cum xeirinhe a sôpa de cuentros.
Carmo
Acho que seus relatos são sintoma do vírus da imprensa da grande massa: vamos só falar das misérias e mazelas do povo que é disso de que ele gosta. Vamos dar ao povo o que ele quer: pão e circo. Será mesmo?
É verdade que a sociedade de consumo, muito bem representada pela publicidade nas tevês, torna os seres humanos menos humanos, mais egoístas e individualistas e menos sensíveis a causas e dores alheias. Mas ainda há muita gente não só com boas intenções mas com a "mão na massa", fazendo a diferença. Você é um exemplo disso. Mas falar de atitudes boas não vende jornal, não dá votos, não aumenta o ibope na televisão. Trabalhar com amor por uma causa não nos torna ricos e famosos, desejo de muitos pobres de espírito.
Educar, conversar, ouvir o outro, praticar a solidariedade, não é nada fácil e demanda muito tempo e dedicação. Mas eu acredito que, com o seu exemplo e suas atitudes e com a de tantos outros, faremos, sim, um mundo melhor. Não desista, hein?
Beijocas
Denise
:-)
VOTO EM TI AVÓ!
Esta noite estive nas festas da cidade de Loures. Posso-te testemunhar que estava um ambiente muito caloroso e muito alegre, são umas festas populares de grande dimensão. Na rua principal há uma feira enorme de rua, onde ciganos e negros e sul-americanos vendem lado a lado misturados uns com os outros, em grande harmonia. Não podes tomar aquelas 50 familias ciganas da Quinta da Fonte e confundir com toda a comunidade cigana. A comunicação social só parece querer mostrar tragédias e alimenta muitos preconceitos. As coisas não são tão simples como aparecem nas imagens das TV , isso é só a parte superficial. Se estivesses cá em Lisboa podias ir à vontade ver o Mickel Carreira ou os Monspel, nas festas de Loures e ias divertir-te e nem sabias que tiveram lá acampados os tais ciganos.
Por exemplo para se perceber o que se passou na Qta da Fonte, os confrontos, é preciso ler uma entrevista que saiu no público (acho que está no blog umbigo) de um Professor da Escola que explica todo o trabalho dessa escola com a Comunidade, sabes que a Escola é um modelo na integração das comunidades africanas! acho que fazem um trabalho que é muito reconhecido, até lá foi o Pres.Republica.
Quanto à questão da educação e dos Professores , acho lamentável e é uma falta de visão futura do país este modelo de carreira. Pensar que com o economicismo vão ter resultados na educação é pura magia, é um péssimo modo de baixar a qualidade do nosso sistema de ensino.
Obrigada Avó por denunciar tanta mas tanta ignorância e insensatez.
O inconsciente impede-nos de poder controlar todos os componentes das relações humanas.
Iludimo-nos em fantasias, agindo de modo a justificar aquilo q apenas existe em fantasia…
Mas isto diz-nos também q somos humanos e que o devemos aceitar sem reservas e mergulhar nos compromissos sociais, ético e existenciais com a toda a força, para que sintamos a vida inteura neste tempo que é o de agora…
Parabéns Carmo, é de textos como este que eu gosto de ver aparecer nos blogues, nos comentários por vezes publicados nos jornais e mais ainda quando surgem em programas na televisão. Temos de ser mais críticos e interventivos, porque, e como bem retratou nos seu blogue, a nossa sociedade está doente, e não é pouco... e não é concerteza a Carmo a doente!!!
Se analisarmos bem a nossa sociedade actual vemos que está povoada de "parasitas" que nada fazem e gravitam à nossa volta para ver o que podem receber à custa do nosso esforço: abonos, rendimentos mínimos, casas, e o que mais houver (isto tudo graças à subsídio-dependência patrocinada pelo governo, mas paga por todos os que trabalham e se esforçam!), e são estes os primeiros a reivindicar os seus "direitos" com maior veemência mas esquecendo, como convém, os seus deveres.
Temos uma sociedade povoada de gente indiferente ao sofrimento dos outros ou às suas necessidades, esquecendo demasiadas vezes um simples "obrigado" ou "desculpa", povoada de injustiças no trabalho... e a lista não acabaria mais se continuássemos a enumerar o que vai mal pelo nosso pequeno burgo.
Não sabe como me revolta toda esta situação que vivemos neste momento…. Especialmente porque tento cumprir os meus deveres como qualquer bom cidadão, sem ver, no entanto, os meus direitos assegurados e protegidos!
Gostava de ver muitas das políticas actuais serem alteradas… muita gente teria de “dar o litro”! E que bem que lhes faria!!!
Responder aos Amigos:
Comecei a melhorar logo que vos li, Amigos Meus, e por isso, a todos o meu OBRIGADA. E depois de pensar que talvez pudéssemos fazer alguma coisa. Veremos.
Anabela, tudo o que eu escrever é teu. Só me honras usando-o como quiseres.
Rita, fico preocupada com a Teresa. Ela já não fala há mais de uma semana. Põe uns postes, bem interessantes (Pintura e Poesia) e fica-se por aí. Dá-me notícias mais concretas se puderes, por favor.
Zé, quando até tu citas este Torga desalentado, penso que há razões para a preocupação.
Renard, tu podes ajudar a fazer a diferença, ainda. Tenta não desanimares mas acautela-te (como se alguém pudesse acautelar o coração!) para não saires ferida.
Cumpadre Besberto, olhe que eu acho que uma sopa da cumadre não há dinheiro que a pague. E tenho a certeza que leva Ética, Solidariedade e Bom-Senso, além dos coentros...
À Denise e ao Luís, obrigada pela Confiança e Bom-Senso que demonstram.E a vossa juventude é penhor suficiente para mim.
Clap, meu Menino de olhos estranhos, aceito o teu voto e a tua reflexão com um valor especial.
À Violet e Émy, vou responder de forma complementar: depois de ter escrito o poste, o que fiz num momento de raiva pessoal intensa que não é de mim, achei que, afinal, estava a divulgar o Mal.
É claro que não podemos fingir que ele não existe. Mas eu preferiria que se publicitasse mais o Bem. Há coisas boas a acontecer a toda a hora. Por que não se fala delas? Tenho uma vontade enorme de fazer uma greve geral a jornais e estações de TV que não privilegiem o Bem! Eu sempre fui sonhadora e este é o único sonho que não consegui realizar. Porque o povo (e não quero com isso fazer distinções sociais) está anestesiado. A Liberdade de imprensa e de informação cobre també a liberdade de entretenimento, que nos estraga os filhos, que dá uma visão errada da vida, que deseduca, que não nos traz quase nada de bom. Bem, nada de recaídas... Para todos, um abraço da Avó Pirueta
É verdade que os males que relatou existem e, infelizmente até são cada vez mais comuns, mas também existe muita a fazer a distribuir o bem, as percentagens de uns e outros não sei. É verdade que o país e a humanidade estão doentes, mas ainda há muita mente sã que sofre com a injustiça e insiste em lutar por um mundo melhor.
Infelizmente, Carmo estas são algumas verdades que nos rodeiam. Infelizmente julgo que estamos a inverter caminho. E muitas vezes penso se não estaremos de novo a voltar à barbárie.
A educação, a escola... pode não ser a panaceia de todos os males da sociedade, mas penso que passa muito por aí. Onde estão os valores que se transmitiam nas famílias? Ninguém pode por em prática o que desconhece. A escola e a sociedade demitem-se. Se fizermos uma análise cuidada aos normativos legais sobre educação encontramo-los esvasiados de valores... encontramos antes pelo contrário a relativização dos valores... por isso, minha querida, esta é a realidade "nua e crua" por muito que nos faça doer.
Mas, mesmo assim, não deixo de ser optimista. Nós podemos fazer a diferença, os nossos filhos e os nossos alunos podem fazer a diferença... temos que lhes dar, temos que lhes transmitir a herança dos valores que achamos como importantes. Penso que é o único caminho.
Beijos e :)
Enviar um comentário